Em sua “maionese conspiratória”, o jornalista Mauro Malin faz um esforço hercúleo de retórica para desqualificar os “neocríticos” da mídia, especialmente os leitores do OI, que têm comentado com muita ênfase a insuficiência da crítica dos eminentes observadores, salvo raríssimas exceções.
Sua “navegação” parte de uma “premissa-embuste”: de que a mídia é “uma instância de poder não-eleita”. Por isso, pode se comportar naturalmente como um “partido político”, à revelia da sociedade, acima do bem e do mal. Ora, meu caro, é exatamente por ser um serviço público (no caso das emissoras de radiodifusão, concessões públicas) que a mídia deveria pautar seu comportamento por outros parâmetros, para além do negócio: democracia, equilíbrio de enquadramento, honestidade e pluralidade de fontes.
Num rápido olhar de “observador neófito”, que aprendeu a exercitar essa visão com caras como Malin, que merece todo nosso respeito, posso afirmar que a imprensa – como instituição – passou longe, muito longe disso. À exceção de CartaCapital, que declarou seu “voto” em Lula, a grande mídia impressa e eletrônica, em geral, fez uma opção de “produção de sentidos” de via única, sempre a alimentar a imagem de uma candidatura na corrida presidencial, no caso a do ex-governador Geraldo Alckmin. Isto é fato. Ponto. Os dados publicados pelo Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública sobre a cobertura das eleições 2006 atestam isso (http://doxa.iuperj.br/).
Independentemente de desventuras, equívocos e outras “lambanças” dos petistas, não lembro, nestes últimos 16 anos, de ter presenciado algo similar. A utilização das fotos ilegalmente obtidas por uma fonte interessadíssima no jogo (que pediu publicação no JN para “compensar” a colaboração, como relatou o jornalista Luiz Carlos Azenha em seu blog, na “boca” da eleição, revelou-se arma mortal na trama urdida pelo “dossiegate”: cobertura embalada pelo combate ao candidato-presidente, “vitaminada” pela sua ausência no debate (não lembro da mesma mídia “tugindo” ou “mugindo” contra a ausência de FHC, em 1998) e, no ato final, a divulgação das fotos repassadas por fonte “credenciada” (na opinião do observador-mor, Alberto Dines). Aliás, bem lembrado pelo leitor deste OI Sr. Jorge Xavier: o episódio que envolve a participação do delegado Edmilson Bruno rapidamente “sumiu” de telas e páginas da mídia. Ficaram César Tralli e sua patética entrevista a perguntar se Bruno recebera algum dinheiro pela divulgação…
“Receita” de bolo
Outro equívoco profundo da análise de Malin é comparar a importância e o impacto social da mídia em tempos históricos tão distintos. Tanto pelo acesso da população às fontes de informação quanto pelo “tamanho do bumbo da mídia” contemporânea, não é preciso muito esforço intelectual para constatar-se a abissal diferença entre os tempos de JK, Getúlio, Lacerda e os dias de hoje. Nem anjos, tampouco demônios, os “barões” da mídia são empresários que defendem seus interesses imediatos (time is money), e de maneira aguerrida seus candidatos. Na disputa Lula x Serra, em 2002, o Estadão teve pelo menos a decência de se posicionar publicamente.
É inegável que o conteúdo noticioso esteve e está cada vez mais “contaminado” por essa escolha política. Não dá para reduzir aos casos Veja (que vem de longo tempo achincalhando, inventando factóides, defendendo sozinha o “impeachment” de Lula, produzindo capas grosseiras – que não faria a outro presidente de origem social diferente) e da “fiteira” IstoÉ. Como vamos chamar repórteres e veículos que “compraram” as fotos do delegado Bruno para publicar, sabendo tratar-se de farsa (o suposto “roubo” como álibi, desmentido pelo mesmo servidor federal dias depois)? Que tipo “jornalismo” praticaram coleguinhas, veículos e seus donos? Qualquer que seja o grau de comprometimento e ilegalidade praticado pelos “aloprados” do PT ou sua cúpula dirigente no caso do dossiê Vedoin, este gesto da imprensa a coloca na mesma condição: a de fora-da-lei. Ou valeria a máxima aos amigos tudo, aos inimigos as penas da lei? Com a palavra os donos do Diário de Pernambuco, que estampou em sua capa “Dinheiro sujo do PT”. Isento e eticamente defensável, não?
Sua receita de “doze pontos para não viajar na maionese” se soma aos “conselhos” do observador-mor quando defendeu a publicação das fotos, desconsiderando os bastidores do repasse do material pelo delegado da PF aos repórteres. Acho obtuso que gente qualificada para observar e criticar a mídia passe a dar “receita” de bolo aos leitores e neo-observadores a torto e a direito. É um tipo de postura de quem talvez nos considere imbecis, de antemão.
Bloqueio de sentidos
Quanto à referência ao chamado “mensalão”, que inaugurou com força de queda de rio amazônico a temporada dos julgamentos sumários da mídia, sua existência, até este momento (dia 4 de outubro, começo da noite), nunca foi provada documentalmente. A mídia formulou a teoria do mensalão a partir da entrevista de Roberto Jefferson à Folha de S.Paulo. O ex-deputado foi cassado e não conseguiu apresentar uma prova cabal que envolvesse, inclusive, o atual presidente da República no caso. Aqui entra um elemento fundamental de sua análise: a falta de investigação, esforço de reportagem, prática do bom jornalismo, nos grandes veículos de comunicação. A mídia brasileira se apequenou e vive, em regra geral, das “migalhas” dos investigadores das CPIs, fontes oficiais sempre ligadas a esquemas e projetos de poder muito específicos.
Lembro, por exemplo, de uma “bombástica” revelação do deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), que cruzou dados de entrada e saída de todo tipo de gente no prédio do Brasília Shopping, no qual funcionava a agência do Banco Rural. A “denúncia” atingiu gente simples, diaristas de deputados que tinham ido ao banco para sacar seus dinheiros e ninguém se retratou por isso. Até parlamentares que nada tinham a ver com o “mensalão” foram arrolados. Não vi nenhuma autocrítica da imprensa sobre isso.
Desqualificar os outros olhares, tachando-os de partidários da “teoria da conspiração”, nada acrescenta ao debate. O que me parece mais interessante destacar é que nunca se discutiu, com tanta intensidade, o papel que a mídia cumpre ou deveria cumprir no contexto social. Evidentemente, devemos muito disso ao OI. No entanto, alguns eminentes observadores estão com um bloqueio de alguns sentidos fundamentais (visão, audição, sensibilidades…) e insistem em ignorar ou, no limite, menosprezar o conteúdo interessantíssimo que seus leitores têm postado, à guisa de comentários.
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Jornalista, doutor em Mídia e Teoria do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina, docente e coordenador do curso de Jornalismo do Instituto Bom Jesus, Joinville (SC)