Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sociedade civil fora do encontro preparatório

Dois meses após o Encontro Nacional de Comunicação, que reuniu parlamentares e aproximadamente 400 ativistas de organizações da sociedade civil – e que culminou em uma grande mobilização em defesa de uma Conferência Nacional de Comunicações democrática –, o Ministério das Comunicações lançou oficialmente a Conferência Nacional Preparatória de Comunicações ‘Uma Nova Política para a Convergência Tecnológica e o Futuro das Comunicações’, a ser realizada entre os dias 17 e 19 de setembro, em Brasília.

Organizada em conjunto com a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) e a Comissão de Comunicação do Senado –, a ‘Conferência Preparatória’ se assemelha a um grande seminário, sem caráter deliberativo e espaços de discussão, em evidente conflito com as conferências de outras áreas já realizadas pelo governo federal, como a da Saúde, das Cidades, do Meio-Ambiente, entre outras, em que existem capítulos regionais e locais, eleições de delegados e plenárias deliberativas.

A notícia desta ‘Conferência Preparatória’ causou surpresa aos movimentos que defendem a democratização das comunicações, apesar de sua realização ter sido anunciada pelo ministro Hélio Costa pela primeira vez em junho. Assim como na época em que surgiram os primeiros rumores sobre a realização do evento, permanece a falta e o desencontro de informações. Exatamente por isso, a proposta só foi realmente conhecida após a divulgação da programação. Além disso, nenhum dos proponentes se dispôs a explicar o significado do termo ‘preparatória’ que consta do título do evento. ‘Preparatória para quê? Para uma conferência realmente democrática, com a participação da sociedade civil? Então por que o governo não inicia o processo de convocação?’, pergunta Bráulio Ribeiro, da coordenação do Intervozes.

O tema do evento causou questionamentos na sociedade civil organizada. Agustino Veit, coordenador da Campanha pela Ética na TV ‘Quem financia a baixaria é contra cidadania’, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, acredita que este evento é mais um seminário de caráter empresarial, sem a discussão das questões mais importantes para a garantia do direito humano à comunicação. ‘Não é a iniciativa que desejamos. Devemos participar para aumentar o debate e mostrar que queremos um evento de outro caráter’, disse. Fernando Paulino, do LapCom, da Universidade de Brasília, uma das duas entidades não empresariais presentes na programação, também aponta a realização da iniciativa como mais um acontecimento e ressalta a importância das entidades ‘se manterem mobilizadas para a construção de uma ampla Conferência Nacional de Comunicações’.

Limitação temática

Apesar de não prever espaços para formulação e debate mais aprofundado, o Minicom e a CCTCI da Câmara dos Deputados têm a intenção de utilizar o evento para apontar algumas alterações no marco regulatório das comunicações, em especial nos aspectos relacionados à TV paga. Tais propostas já estão sendo costuradas pelo deputado Jorge Bittar (PT-RJ), relator dos projetos acerca do tema atualmente em tramitação na Câmara.

Diante da possibilidade de que as definições aconteçam sem a efetiva participação da sociedade civil, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) ressalta a necessidade de que uma verdadeira Conferência democrática aconteça em breve. ‘Acredito que ela será realizada, sim, porque a sociedade civil começa a acumular forças. Meu receio é que isso só aconteça depois da implementação da TV digital’, afirma a parlamentar. ‘A própria CCTCI, que fomentou todo o processo de debates sobre comunicação, não estará presente nesta Conferência Preparatória.’

Governo e empresários

As questões acerca da convergência tecnológica se sobrepõem aos outros temas nos três dias de debates, em que apenas a Universidade de Brasília e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) representarão a sociedade civil. Órgãos do governo brasileiro e de vários outros países, além de entidades de radiodifusores e das empresas de telecomunicações, completam as mesas de programação. Em alguns casos, a mesma entidade empresarial está presente em diferentes mesas de debates, como é o caso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) que, apesar de representar diversas emissoras, é o braço político das Organizações Globo.

Para o presidente da CCTCI, Julio Semeghini (PSDB-SP), por ser muito amplo, o debate sobre comunicação não pode ser realizado de uma só vez e por isso seria fundamental a realização deste evento preparatório que, na visão dele, também servirá para auxiliar a Comissão na construção dos projetos de leis propostos pelos parlamentares. ‘Na minha opinião, é uma preparação para uma Conferência mais ampla, mas ainda não está claro se o governo tem mesmo a intenção de convocá-la’, afirma o parlamentar.

Em relação à organização da Conferência Preparatória, ainda que a iniciativa seja formalmente do Minicom, do Congresso e da Anatel, ninguém assume sua paternidade. O próprio Ministério das Comunicações limitou-se a comentar que a assessoria da Câmara é quem está atendendo a imprensa.

A respeito da Conferência Nacional que, supõe-se, virá em seguida ao evento de setembro, também não há definições. Apesar do Minicom ter afirmado ao FNDC que estava comprometido com sua realização (ver matéria), até o momento não há qualquer confirmação oficial. Na Secretaria-Geral da Presidência da República, órgão do governo responsável pela realização das conferências, também não foi possível obter informações sobre a intenção do governo de realizá-la, apesar do ministro Luiz Dulci ter recebido recentemente a Comissão Pró-Conferência.

Indagado sobre a postura da CCTCI em relação à questão, o deputado Júlio Semeghini afirmou que se o governo federal decidir por não realizar a Conferência, a Câmara dos Deputados está disposta a promovê-la em conjunto com a sociedade civil. Resta saber quando isso ocorrerá e se ainda haverá tempo para que as decisões tomadas democraticamente sejam consideradas na revisão do marco regulatório das comunicações.

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Do Observatório do Direito à Comunicação