Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sopro de ar puro no DF

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, vários estados brasileiros, ao adaptarem suas Constituições à nova Carta Magna, incluíram capítulos sobre a Comunicação Social e previram a criação de Conselhos regionais de Comunicação, a exemplo do que foi estabelecido pelo artigo 224, isto é:




Artigo 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo [Capítulo V, ‘Da Comunicação Social’, do Título VIII ‘Da Ordem Social’], o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.


Levantamento feito pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e válido para o final de 2008, indica que conselhos regionais de comunicação social foram incluídos nas Constituições dos estados de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Paraíba, Pará, Amapá, Amazonas e Goiás, além do Distrito Federal. Por outro lado, no Rio de Janeiro existe uma lei (nº 4.849/2006) e, em São Paulo, um decreto (nº 42.209/1997) que tratam do assunto (ver aqui).


Ao que se sabe, os estados de Alagoas e Minas Gerais chegaram a aprovar leis regulando os dispositivos de suas Constituições e instituindo os respectivos Conselhos, mas eles, de fato, não chegaram a funcionar. Recentemente, um novo projeto de lei foi apresentado em Minas Gerais (PL 4.968/2010) e sabe-se de projeto tramitando na Assembléia Legislativa do Piauí e de pré-projetos em debate na Bahia e no Rio Grande do Sul. Em outubro de 2010, a Assembléia Legislativa do Estado do Ceará aprovou, por unanimidade, a criação de um conselho de comunicação que, no entanto, foi vetado pelo governador Cid Gomes.


Como a criação de conselhos regionais de comunicação também foi uma proposta aprovada pela 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009, o mero debate sobre a criação daqueles previstos nas Constituições estaduais e espelhados no artigo 224 da Constituição Federal tem detonado ciclos de generalizada reação da grande mídia – fruto da intolerância que sataniza qualquer forma de regulação das comunicações (ver, neste Observatório, ‘Sobre inverdades e desinformação‘).


Os conselhos regionais estão, todavia, mais do que nunca, na pauta da democratização das comunicações. E por uma simples razão: eles abrem um espaço democrático de debate sobre um direito fundamental que é o direito à comunicação. Esse espaço tem sido historicamente sonegado à população pelos grupos privados que controlam a grande mídia, em especial as emissoras que exploram o serviço público de radiodifusão, concessionárias da União.


O caso do DF


No Distrito Federal, a Lei Orgânica aprovada em 8 de junho de 1993 inclui um capítulo e cinco artigos sobre a Comunicação Social [ver abaixo] e um deles diz explicitamente:




Art. 261. O Poder Público manterá o Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal, integrado por representantes de entidades da sociedade civil e órgãos governamentais vinculados ao Poder Executivo, conforme previsto em legislação complementar.


Parágrafo único. O Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal dará assessoramento ao Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de comunicação social.


O Conselho de Comunicação do Distrito Federal terá, portanto, necessariamente, que ser instituído obedecendo a quatro limites impostos pela Lei Orgânica, a saber: (1) a iniciativa do projeto de lei tem que partir do Poder Executivo; (2) será um órgão de assessoramento do Poder Executivo; (3) será um órgão assessor na formulação da política regional de Comunicação Social; e (4) será um órgão assessor no acompanhamento da política regional de Comunicação Social.


Uma tentativa pioneira de regulamentação do disposto no artigo 261 foi feita pelo deputado distrital Wasny de Roure com o projeto de lei 1110/93 apresentado ainda em outubro de 1993 à Câmara Legislativa do Distrito Federal. Posteriormente, o assunto foi retomado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF e discutido com os candidatos a governador na campanha de 1994. Todos eles se comprometeram a cumprir o determinado pela Lei Orgânica, inclusive o candidato que veio a ser eleito, Cristóvam Buarque.


O projeto pioneiro de Wasny de Roure, arquivado ao término da legislatura, foi desarquivado em 1995 e voltou a tramitar. Em 1996 ele deu origem a um substitutivo, apresentado pelo deputado Milquéias Paz, aprovado em todas as comissões pelas quais tramitou e pronto para votação em plenário desde abril de 1998.


Daí para frente não fica claro o que de fato aconteceu, mas o projeto jamais chegou a ser votado e acabou definitivamente arquivado em outubro de 2003, isto é, dez anos após a sua apresentação.


Hoje se sabe que, se aprovada na Câmara Legislativa, aquela lei criando o Conselho de Comunicação Social do DF seria inconstitucional por não ter sido de iniciativa do Poder Executivo. O resultado é que, decorridos quase 18 anos da aprovação da Lei Orgânica do Distrito Federal, o artigo 261 permanece sem ser regulamentado.


O MPC


Tendo como objetivo sensibilizar o governo e a Câmara Legislativa do Distrito Federal para a inadiável regulamentação do artigo 261 da Lei Orgânica, um grupo de profissionais de Brasília – jornalistas, publicitários, cineastas, radialistas, professores, médicos – lançou, em 3 de fevereiro, o MPC – Movimento Pró-Conselho (ver manifesto abaixo).


Uma solenidade realizada na Câmara Legislativa serviu para divulgação do manifesto, já subscrito por mais de oitenta entidades e personalidades como a Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal, o Conselho Federal de Serviço Social, Comissão Brasileira de Justiça e Paz, FENAJ, FITERT, ABCCOM – Associação Brasileira de Canais Comunitários, ABRAÇO, SJPDF, SINDJUS, TV Comunitária de Brasília, Velha Guarda dos Jornalistas do DF, além do secretário distrital de Cultura, a secretária da Mulher, o representante do secretário de publicidade institucional do DF, o reitor da Universidade de Brasília, deputados distritais e integrantes da diretoria da OAB-DF, entre outros.


O próximo passo será o debate público e a elaboração coletiva de um pré-projeto que possa ser proposto ao governador Agnelo Queiroz.


Brasília, oportunidade ímpar


O Distrito Federal viveu tempos sombrios nos últimos anos. O cinqüentenário da capital, que deveria ser celebrado, se transformou em pesadelo marcado pela revelação de práticas de corrupção rotineiras dentro da máquina administrativa do governo distrital.


As eleições de 2010, no entanto, renovaram a esperança da imensa maioria da população com a eleição de um governo apoiado por forças democráticas e populares e uma importante renovação na Câmara Legislativa.


A melhor expressão dessa esperança talvez seja o ‘Plano de Transparência e Combate à Corrupção’ anunciado pelo governador Agnelo Queiroz na sexta-feira, 4 de fevereiro. Dividido em cinco áreas de atuação, uma delas é de ‘Fomento à ética e à participação da sociedade’ e contém expressamente a seguinte medida: ‘Fortalecimento dos conselhos como meios de controle social’ (cf. Ana M. Campos, ‘Brecha aberta para a corrupção’ in Correio Braziliense, 6/2/2011; caderno ‘Cidades’, p. 27).


Neste novo contexto, aqueles que trabalham pela democratização da comunicação e que lançaram o MPC acreditam ser esta uma oportunidade ímpar para que Brasília possa resgatar sua vocação de ousadia criativa e, mais uma vez, ser pioneira no país. Estão finalmente dadas as condições para a criação do Conselho de Comunicação Social, nos termos do artigo 261 da Lei Orgânica do Distrito Federal.


Será que Brasília conseguirá dar mais uma contribuição histórica para a democracia no país instalando e colocando para funcionar, de fato, o primeiro Conselho de Comunicação Social regional do país?


A ver.


***


Lei Orgânica do Distrito Federal




(Texto atualizado com as alterações adotadas pelas Emendas à Lei Orgânica nºs 1 a 59 e as decisões em ação direta de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios até 23 de agosto de 2010.)


TÍTULO VI


DA ORDEM SOCIAL E DO MEIO AMBIENTE


(…)


CAPÍTULO V


DA COMUNICAÇÃO SOCIAL


Art. 258. A comunicação é bem social a serviço da pessoa humana, da realização integral de suas potencialidades políticas e intelectuais, garantido o direito fundamental do cidadão a participar dos assuntos da comunicação como maiores interessados por seus processos, formas e conteúdos.


Parágrafo único. Todo cidadão tem direito à liberdade de opinião e de expressão, incluída a liberdade de procurar, receber e transmitir informações e idéias pelos meios disponíveis, observado o disposto na Constituição Federal.


Art. 259. A atuação dos meios de comunicação estatais e daqueles direta ou indiretamente vinculados ao Poder Público caracterizar-se-á pela independência editorial dos poderes constituídos, assegurada a possibilidade de expressão e confronto de correntes de opinião.


Art. 260. É responsabilidade do Poder Público a promoção da cultura regional e o estímulo à produção independente que objetive sua divulgação.


Parágrafo único. A regionalização da produção cultural, artística e jornalística dar-se-á conforme o estabelecido em lei.


Art. 261. O Poder Público manterá o Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal, integrado por representantes de entidades da sociedade civil e órgãos governamentais vinculados ao Poder Executivo, conforme previsto em legislação complementar.


Parágrafo único. O Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal dará assessoramento ao Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de comunicação social.


Art. 262. As emissoras de televisão pertencentes ao Poder Público terão intérpretes ou legendas para deficientes auditivos sempre que transmitirem noticiários e comunicações oficiais.


Parágrafo único. O Poder Público implantará sistemas de aprendizagem e comunicação destinados a portadores de deficiência visual e auditiva, de maneira a atender a suas necessidades educacionais e sociais, em conformidade com o art. 232.


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Movimento Pró-Conselho de Comunicação do DF (MPC)


Chegou a hora de instalar o Conselho de Comunicação Social do DF. Os subscritores deste manifesto se comprometem a trabalhar pela imediata criação do Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal e conclamam os cidadãos de Brasília a se unirem a nós nessa luta. Entendemos que a comunicação é um direito humano básico e que esse Conselho será um instrumento público de sua defesa.


A instalação do Conselho de Comunicação Social é uma determinação legal, prevista no artigo 261 da Lei Orgânica do Distrito Federal, aprovada em 8 de junho de 1993.


De acordo com suas atribuições legais, o Conselho deve assessorar o Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de Comunicação Social e colaborar no monitoramento do cumprimento das leis que regem as concessões locais do serviço público de radiodifusão. As conferências livres, audiências e consultas públicas a serem convocadas pelo Conselho permitirão ampla participação da sociedade em suas deliberações.


A proposta de criação de conselhos de Comunicação Social nos diferentes níveis da Federação foi também aprovada pela 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em Brasília em dezembro de 2009. A proposta da Confecom prevê conselhos que: (a) sejam instâncias de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicações; (b) sejam vinculados ao Poder Executivo; e (c) tenham, na sua composição, representantes do Poder Público, da Sociedade Civil e da Classe Empresarial. Como ocorre, aliás, com todos os demais conselhos ligados aos setores do Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição, que há anos funcionam normalmente, inclusive no Distrito Federal.


Desde que a Constituição Federal instituiu o Conselho de Comunicação Social para assessorar o Congresso Nacional (art. 224), surgiram várias iniciativas de criação de conselhos semelhantes em Municípios e Estados. Em âmbito estadual, as constituições de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Paraíba, Pará, Amapá, Amazonas, Goiás e a Lei Orgânica do Distrito Federal determinam a sua criação. Existem também previsões legais no mesmo sentido no Rio de Janeiro e em São Paulo.


No Distrito Federal, o assunto foi pioneiramente levantado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais e discutido com os candidatos a governador na campanha de 1994. Todos eles se comprometeram a cumprir o mandamento da Lei Orgânica do Distrito Federal. No entanto, decorridos mais de 18 anos, até hoje o artigo 261 não foi regulamentado.


Uma tentativa de regulamentação foi feita pelo deputado distrital Wasny de Roure com o Projeto de Lei 1110/1993. Mas a iniciativa foi arquivada por falta de apoio político. Nos anos seguintes não houve, por parte de governantes e parlamentares, interesse em criar o Conselho.


Agora, temos um novo governo no Distrito Federal, apoiado por forças democráticas e populares, e uma nova Câmara Legislativa. É este o momento de criar o Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal. Contamos com o apoio dos cidadãos brasilienses, dos deputados distritais e do governo do Distrito Federal.


Brasília, 3 de fevereiro de 2011.

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Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Editora Publisher,2010