Na boa e oportuna entrevista publicada no domingo (7/4) na Folha de S.Paulo, com o presidente em exercício da Venezuela Nicolás Maduro (ver “Maduro no volante”), provavelmente o próximo presidente eleito do país, a colunista Mônica Bergamo faz a seguinte pergunta:
“Na Venezuela, canais privados de televisão fazem campanha para o candidato de oposição à Presidência, Henrique Capriles. E canais estatais fazem campanha para o senhor. Os canais públicos são de todos. Não deveriam ser neutros?”
Aqui está o cerne de uma visão distorcida da TV e de sua regulação, visão que é imposta pelo baronato da mídia a seus empregados e à sociedade. Ela entende que os canais privados têm todo o direito de tomar a posição política que quiserem, porque têm donos, são particulares. Já a televisão pública, por ser mantida pelo Estado, está proibida de partidarismo.
A distorção está no fato de que não existe televisão puramente privada, nem aqui, nem na Venezuela, nem em qualquer parte do mundo. Estúdios, transmissores e antenas pertencem às empresas, mas o espectro radioelétrico, onde trafegam os sinais de televisão, é patrimônio público, sob controle do Estado. E seu uso é facultado a particulares através de concessão, que impõe obrigações legais e constitucionais. Entre essas obrigações estão as de isenção, equilíbrio, apartidarismo e pluralidade.
Princípio consagrado
Dessa forma, é proibido à televisão privada tomar partido. É contra a lei. Tanto é assim que, no Brasil, as redes comerciais têm a devida cautela em não explicitar as suas preferências, sobretudo em períodos eleitorais. Qualquer cidadão esclarecido sabe de que lado elas estão, mas seu lado não é explicitado, escancarado.
Nas coberturas de campanhas, existem critérios mínimos de exposição dos diversos candidatos. Nenhum telejornal mostra apenas o candidato que seus patrões apoiam, embora o favoreçam de múltiplas maneiras. Não sabemos, aqui no Brasil, o que é uma campanha de candidato único nos telejornais.
Na Venezuela, a TV privada ignora essa questão, também presente no ordenamento jurídico daquele país. Ela partidarizou-se radicalmente, desde o início do período chavista, e provocou o seu reverso: o aparelhamento completo da TV pública pelo governo – prática igualmente errada, igualmente ilegal.
Toda e qualquer emissora de TV, seja qual for a sua natureza, está obrigada ao apartidarismo, à isenção e à abertura de espaços a todas as correntes políticas da sociedade. Se isso não ocorre, não é por falta de lei. Até a lei brasileira do setor, uma das mais atrasadas do mundo, consagra esse princípio. Que seria muito bom, algum dia, ver a Venezuela e todos os países do mundo obedecerem, estritamente.
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Gabriel Priolli é jornalista e produtor de televisão