Escrevo tarde (quarta-feira, 19/10), quase uma semana após o fato. Não o fiz antes por falta de tempo livre – consegui um breve intervalo para tanto. Mas, desde o momento em que vi a cobertura em jornais da capital paulista, estou pasmo: o assassinato de um estudante de Jornalismo de 21 anos da Universidade de São Paulo (USP) por outro, da mesma idade, na redação da rádio da instituição mereceu cobertura de nove repórteres na edição do dia 15 passado da Folha de S. Paulo.
A vida humana é preciosa, e homicídios de inocentes desarmados, inomináveis. Mas por que cargas d’água a morte violenta de um aluno de uma renomada universidade pública (na qual cerca de três quartos dos matriculados dispuseram de ensino particular) parece mais chocante do que os assassinatos cometidos diariamente, em lugares distantes das redações, dos centros urbanos, das classes sociais mais abastadas? Enfim, da imprensa?
Aprendi, na faculdade, que a proximidade é um dos requisitos necessários para que um fato seja ‘notícia’. Compreendo que a USP seja algo menos distante dos leitores de publicações como Folha, O Estado de S. Paulo, O Globo do que os bolsões de pobreza incrustados nas cidades – as mesmas onde essas pessoas vivem, mas dos quais não têm o devido conhecimento porque não lhes foi dado saber de sua existência com clareza ou porque não querem.
Enfoque a rever
O jornalista é um comunicador social. E isso, entendo, significa reportar à sociedade as diferentes realidades em que está inserida e com as quais convive. Se uma ou mais dessas realidades choca – ao se partir do princípio de que todos somos iguais perante a lei e, portanto, uma vida humana não é mais ou menos importante por conta da cor, da religião, do sexo ou da renda de um cidadão –, devem ser retratadas com igualdade, isenção, fidelidade. Como são e por que se dão desse jeito.
Não me parece exagero afirmar que, ao ver um crime brutal ‘bater às suas portas’, alguns colegas tenham se lembrado de que a violência nem sempre ‘escolhe’ determinadas características. E que tenham parado para pensar no que sofrem pessoas desfavorecidas por tudo e, por isso mesmo, sem acolhida do Poder Público, da Justiça. Da mídia.
Se realmente estão sentidos pelo lastimável fim precoce do estudante Rafael Azevedo Fortes Alves e pensam em lhe prestar tributo, repórteres e editores bem poderiam rever o enfoque que dão às coisas, como talvez ele desejasse, enquanto estudante. Um diploma universitário não nos torna senhores da razão – apenas nos dá as técnicas da apuração e da análise para tentar trazê-la à tona.
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Repórter do jornal Diário do Litoral, de Santos (SP), e do telejornal Band Cidade, na TV Bandeirantes