Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tudo continua como sempre esteve

Uma das dificuldades de quem acompanha e observa criticamente o setor de mídia no Brasil é, contraditoriamente, sua previsibilidade. Por mais que se tente renovar o ‘otimismo da vontade’, as lições da história e as evidências do presente se encarregam de mostrar como os padrões se repetem. Nada de realmente substantivo se altera no setor.

Os últimos quinze dias foram fartos de sinalizações – umas mais concretas, outras nem tanto – no sentido da continuidade, da mesmice. As mesmas pessoas, os mesmos grupos, os mesmos interesses. Alguns exemplos:

1. Uma intrincada trama de acertos políticos de bastidores – diz-se, envolvendo inclusive as eleições de 2006 – conduziu à presidência da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), notório controlador de concessões de radiodifusão. Barbalho foi eleito pela quase unanimidade de seus pares na Comissão, vários deles também concessionários de radiodifusão.

O que isso significa?

Que as renovações e as novas concessões de radiodifusão serão inicialmente decididas, no Congresso Nacional, por uma comissão presidida e composta por concessionários de radiodifusão. Naturalmente isso sinaliza para a persistência de um dos traços diferenciadores da mídia no Brasil: sua vinculação histórica com as elites políticas regionais e locais.

Qual observador não sabe que controladores da mídia e da política são as mesmas pessoas/grupos em vários estados e cidades do nosso país? Por outro lado, a composição da CCTCI configura um claro conflito de interesses que tem sido sistematicamente ignorado no Congresso Nacional. Parlamentares votam em matérias nas quais têm interesse direto. E a ética no trato da coisa pública?

2. Anunciou-se que está próxima a assinatura de um decreto presidencial criando um grupo de trabalho interministerial (GTI) que, sob a coordenação da Casa Civil, teria como tarefa redigir o anteprojeto da Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM). Assessor credenciado anuncia que o GTI terá também um conselho consultivo com representantes de todos os segmentos afetados para evitar que o anteprojeto tenha destino semelhante ao pré-projeto de criação da Ancinav. Vale dizer: não dê em nada.

As discussões recentes sobre o Conselho Federal de Jornalismo e a Ancinav tiveram o mérito de explicitar os grupos e os interesses que estão em disputa. Se havia alguma questão sobre o que pensa um dos principais atores envolvidos – as Organizações Globo – a longa entrevista de Roberto Irineu Marinho recentemente publicada na revista Tela Viva não deixa nenhuma dúvida: a Globo considera espetacular (sic) o modelo institucional de radiodifusão brasileiro e admite a necessidade de uma LGCEM para regular – leia-se impedir – a atuação das empresas de infra-estrutura (telefônicas) na distribuição de conteúdo. Tudo dentro do contexto discursivo de uma veemente defesa da soberania nacional (sic), do conteúdo brasileiro e, claro, sem que se afete a liberdade de criação, expressão e comunicação.

Percepção embaçada

Para bom entendedor está claro: corremos o risco de ter um projeto de LGCEM que consolide – agora com amplo amparo legal – o poder dos grupos de mídia já dominantes no país. O que seria necessário para que isso não aconteça? Que se mobilizem as forças que lutam para a democratização da comunicação e se façam ouvir na construção do projeto. Não é tarefa fácil, mas é assim que funciona na democracia liberal e é nela que estamos.

E finalmente, um último exemplo da mesmice de sempre, foi a anunciada trégua com relação à repressão da Polícia Federal/Anatel às rádios comunitárias. A tal trégua transformou-se apenas em mais uma das muitas frustrações do setor.

Notícia divulgada pela Agência Carta Maior dava conta de que houvera uma decisão de governo de suspender as ações contra as rádios comunitárias ainda não regularizadas até que a comissão que está cuidando do assunto concluísse seu trabalho e fizesse as recomendações finais.

Na verdade, a notícia recebida como sinalização de boa vontade do atual governo revelou-se falsa – e a repressão continua mais incisiva do que nunca.

Tudo isso indica que o setor de comunicações ainda não é percebido pela imensa maioria da população como uma arena de disputa do poder e que o governo – qualquer governo – dependente de visibilidade positiva na mídia, evita implementar políticas públicas que contrariem frontalmente os interesses estabelecidos desse ator fundamental da política contemporânea.

Há alguma novidade nisso?

E assim vamos nós. Trilhando os mesmos caminhos de sempre.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)