Regina Mota é professora-adjunta e pesquisadora do Departamento de Comunicação Social e programa de pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É mestra em Educação pela FAE/UFMG e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Participou dos estudos para o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), aos quais levou o viés da inclusão social através de propostas de políticas públicas para a plataforma de serviços interativos.
A inclusão digital é um dos meios para a inclusão social, um processo ao mesmo tempo simples e complexo que pressupõe o entendimento do que seria uma nova linguagem universal. O Brasil, que está prestes a escolher um padrão de TV Digital, pode encontrar no novo sistema um caminho possível para o acesso à informação mais igualitário, democrático e inclusivo.
Segundo a professora Regina Mota, o Brasil vive a ‘oportunidade única, talvez, em relação à tecnologia, de definir o que é bom para o país: um sistema meio japonês, meio europeu, meio norte-americano ou totalmente brasileiro’, declarou, em reunião da Comissão Geral sobre TV Digital, realizada na Câmara dos Deputados em 8/2. Ela defendia a criação de uma política pública para a televisão brasileira – ‘temos 80 anos de exclusão social em todo o sistema de regulamentação da televisão no Brasil’ – e pedia, como representante da sociedade civil naquela reunião, que o Congresso Nacional inclua no processo de definição do Sistema Brasileiro de TV Digital a dimensão pública ‘nunca presente antes em qualquer legislação brasileira’.
Nesta entrevista, Regina Mota dá sua visão sobre a necessidade da sociedade civil não ser apenas espectadora nesse debate.
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Que impactos sociais podem causar as novas tecnologias em TV Digital, que estão prestes a serem definidas/implementadas no Brasil?
Regina Mota – Podem causar nenhum impacto positivo, caso sejam tomadas medidas apenas burocráticas ou tecnocráticas para atender aos interesses do atual sistema de exploração comercial da radiodifusão. O resultado será pífio se apenas for incrementada a alta definição, a portabilidade e mobilidade como vem sendo apregoado pelo Ministério das Comunicações. Haverá impacto positivo caso o SBTVD seja pensado e definido como uma política pública, na qual todos os interesses possam ser contemplados.
A sociedade civil tem pedido tempo para conhecer, além dos padrões tecnológicos, as características inclusivas inerentes à TV Digital. Você participou desse estudo, inclusive com propostas de políticas públicas. Como se deu esse trabalho?
R.M. – Produzi um relatório de 170 páginas, entregue ao CPqD em outubro de 2004, cujo título é ‘Proposições de políticas públicas de inclusão social através da plataforma de TV digital interativa’. O texto aborda diversos aspectos dos fenômenos sócio-técnicos que dizem respeito aos riscos advindos da inserção de uma determinada tecnologia numa sociedade poder ampliar desigualdades informacionais aprofundando as classes ordenadas pelo grau de acesso à sua circulação e produção. Faço também uma análise dos problemas informacionais existentes nas políticas sociais adotadas no Brasil e defendo que uma política pública para o SBTVD poderia estar a serviço de todas elas, ampliando o seu alcance e avaliando os seus impactos. Proponho que uma Política Pública para o Sistema Brasileiro de TV digital deve ser algo como o SUS (Serviço Único de Saúde), que reúne esferas diversas na sua organização, otimizando recursos. Trabalho com conceitos que estão sugeridos na análise da própria técnica, como o de descentralização. Assim, poderíamos pensar num sistema que se definiria também de forma descentralizada em todos os seus aspectos, desmontando as atuais formas monolíticas e concentracionistas da mídia eletrônica no país. Em outubro de 2004, eu concluía o texto recomendando que o ritmo desse processo devia ser o mais lento possível, porque ele representa uma oportunidade de envolver no debate toda a sociedade brasileira e não apenas os especialistas e os interessados no seu lucrativo negócio.
Quais os riscos de o país adotar um padrão tecnológico, neste momento, sem antes apresentar os estudos relacionados e discutir com a população o que ela quer da sua televisão?
R.M. – A grande dificuldade é a resistência à mudança. Os concessionários querem mudar sem mudar. Querem ganhar como sempre ganharam privilégios, porque eles acham que o Brasil deve a eles as maravilhas que eles fazem entrar nos nossos lares todos os dias, e como afirmam, de graça. Não querem o debate, como ficou claro na Comissão Geral no Congresso. O risco é que, mais uma vez, fique de fora da escolha o interesse público em detrimento do interesse privado comercial.
No Plenário da Câmara Federal, você referiu que é necessário ‘pararmos de ter vergonha de falar em soberania nacional e adotarmos uma postura de igual perante os outros países, sem termos que nos submeter a qualquer tipo de tecnologia’. Como é possível absorver essas características para o momento da escolha da TV Digital?
R.M. – Essa é uma questão difícil de ser respondida em poucas palavras. Tenho me dedicado ao estudo aprofundado das características impressas no nosso caráter que imprimem a ele a marca colonizada, dependente e de inferioridade. A academia há muito abandonou o tema da soberania como se isso fosse antiquado e anacrônico num mundo globalizado onde o que importa é estar no jogo e saber escolher melhores oportunidades. Os próprios pesquisadores brasileiros não têm muito brio, como se dizia na época dos meus pais. A novidade, no caso da TV Digital, é que os centros de pesquisa, e garanto que isso se deu porque alguns pesquisadores foram corajosos, provaram que o Brasil tem hoje capital intelectual e científico suficiente para desenvolver não apenas essa nova tecnologia, como várias outras, que não estão sendo solicitadas, como fontes alternativas de energia, uso da flora brasileira do cerrado e da Amazônia para a saúde, novas formas de autodesenvolvimento, etc. Os grandes pensadores brasileiros sequer são estudados nas universidades. A meu ver, no SBTVD tudo foi feito para não dar certo: os prazos, a liberação das verbas, a pressão e exigências dos editais e, mesmo assim, praticamente se criou um sistema digital brasileiro por inteiro em dez meses. É isso que precisamos conhecer, debater e defender.
Numa realidade de convergência, como garantir que as camadas sociais com menor grau de escolaridade adquiram a informação necessária para lidar com as novas tecnologias?
R.M. – Essa questão levanta duas outras: uma cultural e outra de ação política. A primeira diz respeito à abertura para o novo, que a sociedade brasileira tem de sobra. Ela adere e apreende facilmente as novidades tecnológicas, como é o caso dos celulares pré-pagos que em grande medida fizeram uma inclusão comunicacional importante para a população sem telefone. A segunda é a garantia para todos onde os sinais ou as antenas faltam. A universalização desses serviços tem que ser garantida e normatizada pelo Estado, como é o caso da lei do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), seja obrigando coercitivamente os exploradores a fornecerem os meios de acesso, ou provendo ele mesmo onde não houver interesse de mercado.
O que é preciso para promover uma política pública de comunicação que garanta a promoção da cidadania?
R.M. – Debate público, publicidade e esclarecimento a toda a população. A imprensa não tem conseguido fazer isso e, portanto, é preciso ampliar o debate ao máximo, para que as pessoas comuns entendam o seu significado e possam intervir na construção e definição de um novo modelo de televisão para o país. Isso pode parecer uma utopia romântica, mas a meu ver, e vários teóricos da comunicação pensam também assim, esse é o principal debate a ser colocado hoje na sociedade. Só assim teríamos a legitimidade de uma política pública que não estivesse apenas a serviço de interesses privados, sejam eles comerciais ou corporativistas.
O que você espera do governo, neste momento, quanto a estas decisões?
R.M. – Espero que ele ouça as múltiplas vozes que pedem para participar efetivamente, para qualificar o debate e assim garantir que a escolha seja a melhor para o país. Acho que há sensibilidade tanto no Executivo quanto no Legislativo, e a Justiça, por meio do Ministério Público, vem acompanhando e vigiando de perto o processo. Pela primeira vez, acho que há uma maior diversidade de interesses manifestos na cena pública, na contramão de um atropelo. O governo teria muito a perder se passar por cima de tudo isso.
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Jornalista, da Redação FNDC