O programa Observatório da TV recebeu ontem, 14 de fevereiro, o ministro Hélio Costa, das Comunicações, para falar da TV digital, cujo modelo – americano, europeu, japonês – o Brasil discute há 10 anos sem qualquer decisão. Ou melhor, a única decisão até agora foi o descarte do padrão chinês pelo ex-ministro Miro Teixeira. No programa, a partir das perguntas do editor e apresentador Alberto Dines e dos jornalistas convidados – Luís Nassif, de São Paulo, e Nelson Hoineff, do Rio –, pôde-se depreender alguma preferência do ministro Hélio Costa pelo sistema japonês, que permite transmissões em alta definição. A alta definição, pelo que se inferiu da entrevista, é característica que pesará na decisão do Brasil.
Na reportagem de abertura do programa, a jornalista Beth Carmona, presidente da TVE Brasil, disse que a TV digital representa muito mais do que tecnologia: para a massa da sociedade, o conteúdo será mais importante. Os franceses do sistema europeu pensam assim também. No entanto, é a questão tecnológica, com seu pano de fundo altamente político, que tem provocado mais polêmica no Brasil. O sistema japonês é o preferido das operadoras de telefonia, que querem expandir sua atuação à área de produção de conteúdo – por enquanto, exclusiva das empresas de radiodifusão. Que também preferem o sistema nipônico – a TV Globo, por exemplo, investe em equipamentos digitais de alta definição desde o ano passado –, mas sem a concorrência das teles.
‘Não participou quem não quis’
Foi esta justamente a primeira pergunta de Alberto Dines ao ministro: poderão as teles participar da TV digital, para que se abra o leque da transmissão de conteúdo e se reduza a concentração da propriedade da mídia? Hélio Costa disse que TV digital brasileira deverá ser ‘aberta, gratuita e livre’. Mas ressalvou que a radiodifusão e as telecomunicações têm marcos regulatórios claros. As teles só podem transportar – som, imagem, conteúdo –, não podem produzir; a propriedade da radiodifusão, por sua vez, deve ser pelo menos 70% brasileira. ‘Precisaríamos então discutir a Lei Geral das Telecomunicações’. E a Constituição. O ministro lembrou que na mudança da telefonia analógica para a digital e móvel houve uma ‘verdadeira revolução’, que seguiu seu curso sem interferência do governo, ‘que nada impôs’.
Hélio Costa afirmou em seguida que o sistema japonês de TV digital reúne as seguintes características: a TV é aberta e gratuita, permite definição alta e standard, interatividade, mobilidade, portabilidade etc., o que atenderia às necessidades brasileiras – com seus 93% de TV em sinal aberto. O televisor comum no país precisaria apenas de um conversor ou modulador para ler os dados digitais e convertê-los. O ministro disse que esse decodificador estará disponível por R$ 100 – e não R$ 200, ‘como informou a reportagem no início do programa’, e ‘financiados pelo Banco Popular’ (subsidiária do Banco do Brasil).
Segundo ele, o sistema japonês possibilitaria o melhor aproveitamento possível do espectro brasileiro, de 6 MHz de largura de banda. Hélio Costa afirmou que o sistema japonês dividiu em 13 módulos esses 6 MHz – alta definição, standard etc. Sobre as polêmicas a respeito da definição do padrão brasileiro, Hélio Costa disse que desde sua posse, em julho do ano passado, já participou de 83 reuniões de discussão da TV digital. ‘Quem não participou foi porque não quis’. Ele afirmou que a decisão poderia ter sido tomada em 2000, quando a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV pediu oficialmente ao governo definição do modelo. O governo atual resolveu tomar a decisão e envolveu 93 instituições nas discussões.
‘Tudo aos estrangeiros’
Alberto Dines disse então ao ministro que é grande o desnível entre as necessidades da sociedade e o que lhe é fornecido em termos de conteúdo. Hélio Costa respondeu que o conteúdo da TV brasileira é excelente. ‘Quando era repórter estive em 73 países e constatei que a produção da TV brasileira estava em todos eles, e de excelente qualidade’ (o ex-ministro foi por muitos anos correspondente da Globo e criou o escritório da emissora em Nova York). ‘Quando a TV digital chegar, cada canal poderá oferecer quatro programações diferentes simultaneamente’, disse. ‘Isso é impossível para a TV atual, teremos portanto grande expansão da produção de conteúdo em todas as praças’. Segundo o ministro, haverá ‘dezenas, centenas de novos players produzindo conteúdo’.
Com exceção da área central da Avenida Paulista, disse, todo o Brasil terá condições de ver surgirem muitos canais novos, que já entrarão no formato digital. Citando evento promovido esta semana em Barcelona, que ele acompanha pela internet, Hélio Costa disse que no encontro se discute a criação de redes de TV para produzir conteúdo apenas para celulares. ‘Não é a TV digital, porque não se trata de emissoras e o conteúdo é pago, mas a tendência é essa’.
Sobre a situação da TV aberta e das teles em 10 anos, o ministro foi incisivo: ‘O Brasil fatura R$ 100 bilhões em telecomunicações: R$ 90 bilhões vão para as teles, R$ 10 bilhões vão para as TVs’, disse. ‘Precisamos decidir se o Brasil vai entregar tudo aos estrangeiros.’