Ser dono de uma rede de televisão no Brasil é um desejo de quem sabe bem quanto isso dá dinheiro e prestígio. Basta observar que qualquer rede nacional que consiga um mísero pontinho de média no Ibope em horário nobre estará assegurando um faturamento de R$ 100 milhões/ano. Uma emissora que se avizinha dos 10 pontos no denominado prime-time – como a Record, por exemplo – ronda a casa de R$ 1 bi ao ano.
Vale lembrar que a maioria dos veículos impressos de prestígio, que dominam segmentos, respeitados, não alcançam os R$ 100 milhões anuais de receita, mesmo publicando dezenas de páginas diárias de anúncios, assim como as rádios.
Trata-se de uma concentração do dinheiro da comunicação nas mãos das emissoras de TV incomum entre as economias de algum porte pelo planeta. Estados Unidos, países europeus ou mesmo vizinhos, como a Argentina, têm no máximo 40% das verbas da publicidade na televisão.
No Brasil, essa hegemonia supera os 60%. E há a concentração dentro da concentração, já quer a Rede Globo detém em torno de 70% do total do dinheiro destinado ao meio TV. Isso não é bom, como todo mundo sabe. E aparentemente é contra este estado de coisas que Lula maquina quando insiste na história da nova TV pública.
Uso da imagem
Semana passada disse em discurso que pretende que a nova rede dê informação ‘tal como ela é, sem pintar de cor-de-rosa, mas também sem pichá-la’. Depois falou que ‘vai ter curso de inglês, teatro (…), se vai ter meio ponto de audiência ou zero, não me interessa. O que interessa é ter uma opção para quem quiser ter acesso a uma coisa de muita profundidade’.
No mesmo discurso, Lula disse que não pretende ‘reinventar a roda’, mas as citações do presidente remetem exatamente isso. Ter uma televisão ‘para falar a verdade’ (desde que seja a própria) é desejo eterno de todo governo desde que a imagem começou a ser transmitida à distância.
Mesmo antes disso, quando apenas o cinema emitia imagem em movimento, a Revolução Russa lançou mão do artifício para tentar dominar as massas desvalidas e analfabetas, que não sabiam ler jornal.
Depois veio Hitler, que fez ainda mais com o uso da imagem e o controle de toda a comunicação na Alemanha. Surgiram os candidatos-sabonete, pura imagem nas eleições norte-americanas, e os políticos-bons-de-cena ganharam o poder. Todas essas idéias foram importadas por nós, brasileiros, a partir da inauguração da primeira emissora, a Tupi, em 1950.
Democratizar o bolo
E as TVs educativas surgiram por aqui no final dos anos 60 com o mesmo cardápio que Lula acredita ser novo em folha. Queriam levar cultura e educação aos grotões, fazer uma TV de ‘profundidade’ e sem se importar com a audiência.
A TV Cultura de São Paulo, por exemplo, estreou com exibição de concertos e atrações como aulas de alemão e ‘madureza’. Audiência zero. Num primeiro momento, o discurso pela hipotética qualidade sem visibilidade pode arregimentar cidadãos incautos bem intencionados. Mas logo depois, descobre-se o erro, ao ver toda a parafernália tecnológica e centenas de profissionais pagos com dinheiro público jogados ao nada – porque ‘traço’ de audiência é apenas isso.
Mal comparando, é como se milhões de vacinas de qualidade e salvadoras fossem fabricadas pelo governo mas nenhum cidadão aceitasse tomar uma dose sequer. Só a qualidade da vacina não justificaria os custos.
Desconcentrar um setor que detém a palavra é mesmo fundamental e tem lá sua lógica, mas será sensato a Lula perceber que o governo já tem na mão uma rede educativa grande, mais o canal NBR, e a possibilidade de usar a figura das TVs comunitárias para tentar democratizar o bolo.
Velha roda que range
Mas isso só será possível quando os canais oficiais aprenderem a ter audiência porque TV pública tem, por definição, que conquistar o público, ou estará se negando a existência. Cursos de línguas e teatro já mostraram que são ruins de televisão, ninguém vê, ninguém gosta.
É preciso fazer o que a TV Cultura de São Paulo já conseguiu e tem conseguido em alguns momentos: criar programação infantil de qualidade (mas atraente), jornalismo sério e independente (mas atraente) e teledramaturgia da boa (mas atraente). Depois de provar que sabe se comunicar com o que já tem nas mãos, daí, sim, o governo poderá se dar ao luxo de propor novos investimentos num veículo tão caro.
Por enquanto, a TV imaginária de Lula é só uma velha roda que range e não leva a lugar algum.
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Jornalista especializado em comunicação e professor de telejornalismo da Faculdade Cásper Líbero