Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

TV vive ‘surto’ de resgate histórico

Os últimos dois anos deverão ser celebrados, no universo da comunicação, como um período fecundo para a consolidação da memória histórica da TV no Brasil. O anúncio, há alguns dias, da criação do Museu da Televisão, com inauguração prevista para 2010, é uma das iniciativas relevantes nessa direção.

Há mais: depois de lançar, em abril, os livros Rede Manchete: Aconteceu, Virou História, de autoria do pesquisador Elmo Francfort, e TV Tupi: Uma Linda História de Amor, da atriz Vida Alves (com pesquisa de Elmo Francfort), a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp) prepara a publicação de mais um título de sua ‘Coleção Aplauso’, ainda em 2008: TV Paulista, de Mauro Alencar e Eliana Pace (pesquisa de Elmo Francfort), sobre a história da extinta emissora que marcou época, nas décadas 1950 e 60, como o canal 5 de São Paulo, dando origem à TV Globo São Paulo.

No início de 2009 deverá ser a vez de Av. Paulista, 900: a História da TV Gazeta, também de autoria de Francfort, com apoio da Fundação Cásper Líbero (a Imesp já havia lançado em 2004, sob o mesmo selo, Glória in Excelsior: Ascensão e Queda do Maior Sucesso da TV Brasileira, de Álvaro de Moya, a história da TV Excelsior com pesquisa fotográfica do incansável Francfort).

Museu da Televisão

Ainda que incipiente ou mesmo em formação, a televisão na web também será objeto de relato histórico este ano. Alberto Luchetti, diretor-geral da allTV, contará, em primeira pessoa, como se deu a criação da primeira televisão da internet. A obra virá a lume em agosto, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, pela Saraiva/Siciliano.

O Museu da Televisão tem-se delineado a partir de um pré-projeto de ocupação da Casa das Retortas (antigo Gasômetro de São Paulo, na região central da cidade) – informa a newsletter eletrônica Jornalistas&Cia, por iniciativa da Fundação Padre Anchieta e da Pró-TV (Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira. ‘Vamos recorrer à iniciativa privada, principalmente empresas ligadas ao meio televisão. Já estamos em contato com o Ministério da Cultura, tentaremos verba da Finep para a digitalização do material, faremos articulações com as emissoras, usaremos incentivos de ICMS, Lei Rouanet… E como o museu foi criado por lei municipal, certamente receberá dotação no próximo orçamento da Prefeitura [4 milhões de reais já estão destinados à recuperação da Casa das Retortas]’, explicou ao J&Cia o jornalista Paulo Markun, presidente da fundação.

O espaço, que deverá dispor de uma área total de mais de 25 mil metros quadrados, será administrado por um Conselho Curador composto por representantes das redes de televisão. ‘Também contaremos com a ajuda dos membros do Conselho Consultivo, presidido por Vida Alves [dirigente da Pró-TV], que inclui personalidades como Fernando Barbosa Lima, Boni, David José, entre outros’, adiantou Markun.

Além de contar com um bom acervo (cedido pela Pró-TV e pelas emissoras), disponível ao público e a pesquisadores da área, o museu promoverá eventos como seminários, oficinas e exposições temáticas.

Para entender os fatores que influenciaram o desencadeamento da profusão de obras que buscam recuperar o conteúdo histórico da televisão brasileira, conversamos com o autor, diretor, crítico e pesquisador de teledramaturgia Leandro Barbieri.

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Qual é a origem dessa série persistente de investimentos na memória televisiva?

Leandro Barbieri – Em 2000, quando a televisão brasileira comemorou 50 anos, poucos eram os livros dedicados à história do meio. Aproveitando os festejos, diversos produtores e diretores começaram um movimento de documentação. Foi aí que, por exemplo, Boni lançou o seu livro. Outro bom exemplo é a primeira edição do Almanaque da TV, do Rixa.

Outras iniciativas acabaram vingando, na esteira dessas comemorações…

L.B. – Sim, nos anos seguintes a Rede Globo começou a publicar os resultados do chamado ‘Projeto Memória das Organizações Globo’, através do Dicionário da TV Globo e do livro que conta a história do Jornal Nacional. O primeiro volume do Dicionário enfatiza o entretenimento. Trata as produções por tópicos, como uma espécie de enciclopédia, citando sinopses, profissionais envolvidos e resultados de cada programa ou novela. Já o livro do Jornal Nacional segue uma linha mais narrativa, misturando a história do país com o tratamento dado pelas notícias do telejornal. Uma peculiaridade é a forma como o livro conta a edição do debate entre Lula e Collor nas eleições de 1989. A história contada procede de depoimentos de todos os envolvidos no episódio, não escondendo as contradições. À parte disso, a linha seguida pinta uma trajetória heróica, sempre justificando as críticas com fatos e opiniões dos criticados.

Faltou autocrítica?

L.B. – Sem dúvida, mas há exemplos positivos. Em 1999, Amaury Jr. publicou Flash – Fora do Ar, contando histórias dos bastidores de seu programa na Bandeirantes. Além de reproduzir momentos vistos pelos telespectadores, Amaury conta os meandros das entrevistas mais comentadas e, muitas vezes, parte para a autocrítica.

Qual é a sua obra de referência?

L.B. – Para ter uma noção geral da história da televisão, a melhor fonte publicada é o Almanaque da TV, de Rixa e Bia Braune. Ali encontramos informações sobre os mais diversos gêneros. Os autores destacam boas histórias e eventos que marcaram a memória dos telespectadores mais antigos.

O que dizer sobre a ‘Coleção Aplauso’, com tantos títulos sendo lançados?

L.B. – A ‘Coleção Aplauso’ privilegia a parte para retratar o todo. Vem lançando biografias de diversos artistas e de extintas emissoras de TV, como a Excelsior, a Tupi e a Manchete. É uma centralização do que antes acontecia esporadicamente. Por exemplo, com Régis Cardoso, que, por conta própria, lançou a sua biografia no final dos anos 1990. Nessa obra, No Princípio Era o Som, ele dá detalhes, inclusive de fofocas de bastidores, que nos anos 1970 fariam a alegria de qualquer revista de fofoca. Quanto às ações das próprias emissoras, assim como a Globo, outras demonstram preocupação com a documentação e a divulgação de suas histórias. Ano passado, ao completar dez anos, o Canal Universitário de São Paulo publicou a sua trajetória.

A ênfase do seu trabalho é em teledramaturgia. Qual é a sua avaliação do que tem sido publicado sobre esse segmento?

L.B. – Em termos de telenovela, é impossível não começar por Memória da Telenovela Brasileira, de Ismael Fernandes. Cada novela é um tópico. Os tópicos dividem-se em capítulos, que começam com comentários gerais e propõem uma divisão de épocas na evolução do gênero. Ismael não se aprofunda em cada obra; dá apenas uma idéia geral para situar o gênero como um todo. Maiores detalhes encontramos em livros como A Hollywood Brasileira, de Mauro Alencar, e Almanaque da Telenovela Brasileira, de Nilson Xavier. O Ismael Fernandes foi colunista de televisão por 22 anos no jornal Gazeta do Ipiranga. Ele se formou em jornalismo no Instituto Metodista de Ensino Superior, em São Bernardo do Campo, chegou a escrever algumas telenovelas, mas teve como maior foco a análise do contexto histórico do gênero, escrevendo três edições diferentes da Memória da Telenovela Brasileira e deixando a quarta inacabada. Essa quarta edição, publicada em 1997, foi finalizada por sua família, no ano da sua morte.

Qual é a sua síntese sobre esse movimento editorial e museológico em torno da televisão?

L.B. – O grande problema dos textos sobre televisão é a ausência de críticos preparados para comentar as programações exibidas. Ainda se confundem bastidores com fofocas. Prova disso é que as melhores revistas ainda destacam horóscopos e a intimidade de pseudo-celebridades. Precisamos de mais críticos como o Artur da Távola [que morreu em maio], expoente dos ‘críticos sérios’ da televisão. De forma geral o que vem acontecendo é a conscientização de que a TV precisa ter a sua história registrada e documentada. Não só pelo impacto e pela óbvia importância do meio, mas pelo fascínio que ele desperta em quem começa a estudá-lo.

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O que ler sobre a TV

A pedido deste articulista, Leandro Barbieri sugeriu a seguinte bibliografia para o estudo da história da televisão brasileira:

** Memória da Telenovela Brasileira, de Ismael Fernandes. Última edição – 1997, Editora Brasiliense;

** Dicionário da TV Globo, Vol.1 – ‘Programas de Dramaturgia e Entretenimento’, Jorge Zahar Editor- 2003;

** Nossa Senhora das Oito – Janete Clair e a Evolução da Telenovela no Brasil, de Mauro Ferreira e Cleodon Coelho. Mauad, 2003;

** 50 anos de TV no Brasil, de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni). Ed. Globo, 2000;

** Almanaque da TV, de Bia Braune e Rixa. Ediouro, 2007 (a primeira edição é de Rixa, pela Objetiva, em 2000);

** No Princípio Era o Som – A Minha Grande Novela, de Régis Cardoso, Madras editora.

** Flash – Fora do Ar, de Amaury Jr. Ed. Elevação, 1999;

** CNU – A Universidade que você assiste há 10 anos, organizado por Daniel de Thomaz, 2007;

** Almanaque da Televonela Brasileira, de Nilson Xavier, Panda Books, 2007;

** Jornal Nacional – A Notícia faz história, Jorge Zahar Editor, 2004;

O Circo Eletrônico – Fazendo TV no Brasil, de Daniel Filho, Jorge Zahar Editor, 2001;

** A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil, de Mauro Alencar, Senac-Rio.

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Jornalista