Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Um acordo ou um blefe?

Ao final da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em Brasília de 14 a 17 de dezembro de 2009, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) divulgou documento que trataria de um acordo fechado entre ela e o governo. Este artigo analisa o fato.


A primeira questão a se avaliar é quanto à legitimidade e representatividade da Abraço para fazer um acordo que mexe com o interesse de todas as rádios comunitárias do país, e não somente com as suas associadas. A Abraço é uma das entidades que lidam com rádios comunitárias no Brasil. Ela surgiu no final de 1996, em Praia Grande, litoral paulista, e hoje tem filiadas em praticamente todas as unidades da federação. A entidade não tem sede própria, mas tem um site, criado em 2009.


Quando se fala em legitimidade e representatividade, é importante registrar que a Abraço, como toda entidade, representa seus pares, isto é, seus associados. Ela é uma associação (sem fins lucrativos), e não um sindicato; portanto, a Abraço tem o caráter de uma ONG, o que a impede de tratar seus filiados como ‘categorias de trabalhador’, por exemplo. Não se pode confundir entidade representante de categoria (caso dos sindicatos, que podem falar em ‘base’ sindical) com entidade representante de um grupo (uma associação) de rádios ou de entidades que lidam com rádio, como é o caso da Abraço. Uma associação de pequenos agricultores é bem diferente de um sindicato de pequenos agricultores.


Estratégia oportunista


Em ambos os casos há mobilização e organização, mas somente o sindicato, de fato, representa oficialmente a categoria. Tanto que o aval de funcionamento para o sindicato é concedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego: o sindicato será único na região e terá legitimidade para representar a categoria perante o Estado. Quanto às associações, elas podem ser criadas conforme a vontade da sociedade organizada para representar os interesses exclusivos dos seus sócios. E são eles que lhe dão legitimidade. Não é papel do Estado legitimar associação. Ele pode firmar convênios, parcerias, até mesmo atribuir ‘diplomas’ para uma ONG, como o de ‘utilidade pública’, mas não vai além disso.


A Abraço é uma entidade que atua em determinado segmento da sociedade, o das rádios comunitárias. Mas, claro, ela não representa todo o segmento. Ela representa, dentro do movimento, uma parcela desse movimento, a dos associados à Abraço. Por ser uma entidade privada que representa seus associados, não pode falar por todo o movimento; não pode falar em nome das ‘rádios comunitárias’, no seu sentido genérico. Ela não tem a representatividade de todas as rádios comunitárias para falar em nome delas, ou de propor algo em nome delas.


Como retórica, a Abraço pode defender este ou aquele argumento, mas não pode afirmar que ‘as rádios comunitárias querem isso ou aquilo’, ‘defendem isso ou aquilo’. Seu posicionamento é o posicionamento da Abraço (isto é, de um grupo de pessoas) e não de todas as rádios ou de representantes de todas as rádios. Ao se posicionar perante a sociedade, ela não pode falar em nome de todas. A Abraço pode ter legitimidade ou não perante a sociedade por razões políticas e éticas, mas a representatividade, em qualquer momento, limita-se ao seu grupo.


A questão da legitimidade e representação também pode ser usada de má-fé. Entidades se apresentam como ‘o movimento social’, ou ‘representantes da sociedade civil’ para obter espaço político. E o Estado muitas vezes aceita isso. No atual contexto político, essa questão de movimento social representado por entidades é tão forte que fica excluído do debate aquele que não tiver o crachá de alguma entidade. Por isso, assumir cargos numa entidade é uma das estratégias mais usadas pelos oportunistas, aqueles que nada produzem a não ser uma verborragia inútil, pretensamente revolucionária.


Interesses do grupo majoritário


Mas, voltando à questão das entidades de um modo geral… Nelas, o rodízio dos dirigentes é prática democrática comum. E com a Abraço não é diferente Mas em 13 anos de existência a entidade teve somente dois presidentes e uma direção colegiada. Isso, porém, não vem ao caso. A questão aqui é outra: a direção eleita representa todo colegiado? Representa politicamente, claro, mas não necessariamente no conjunto. E isso vale não apenas para associações, mas também para sindicatos. Lula é o presidente de todos os brasileiros, mas as suas posições não são necessariamente as que eu defenderia. O presidente do Sindicato dos Jornalistas, em quem eu votei, pode tomar atitudes que são contra a minha vontade – isto é, embora tenha legitimidade para atuar em nome dos jornalistas, não necessariamente representa meus interesses.


Na verdade, quando um grupo chega ao poder (à Presidência da República ou à Associação dos caçadores de coelho marrom), na melhor das hipóteses ele representa bem mais os seus parceiros de grupo que o conjunto dos associados. Mas e quando a eleição foi forjada, com delegados comprados e houve desvio de grana para a campanha? Este que se elegeu representa todo o coletivo? Evidente que não. Não estamos dizendo, claro, que isso aconteceu na Abraço. Estamos apenas reafirmando que sempre a direção de uma entidade (seja lá qual for) é um grupo que, embora legitimado do ponto de vista estatutário e diante das leis, não necessariamente defende seus associados; mas, com certeza, defende os interesses do grupo majoritário.


O fórum adequado


Analisada a questão da entidade, o que dizer sobre o Estado brasileiro assinando este ‘acordo’?


Corrija-se: o tal acordo é um pretenso documento de duas laudas, sem timbre, assinado por três representantes do Estado: Marcelo Bechara, então consultor jurídico do Ministério das Comunicações; Otoni Fernandes Junior, subchefe-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República; e Gerson Almeida, secretário nacional de articulação social da Secretaria Geral da Presidência da República. Curiosamente, o texto, divulgado como um acordo feito entre a Abraço e o governo, não traz a assinatura de nenhum dirigente da Abraço! Como uma entidade faz um acordo e não assina o papel que viabiliza esse acordo? Em tempo, o documento está disponível aqui.


Outras dúvidas são pertinentes: quem delegou a esses funcionários do governo o poder de assinar um documento em nome do Estado? Não caberia aos ministros, seus chefes, essa responsabilidade? Qual a validade de um documento assinado por funcionários do segundo e terceiro escalão? A responsabilidade que esses agentes estão assumindo pode ser cobrada? Qual a validade e legitimidade desse documento sem timbre oficial do Estado e muito menos da entidade privada, a Abraço?


São perguntas cujas respostas evidenciam a precariedade do documento. O fato é que o Estado brasileiro não poderia fechar acordos com uma entidade privada, uma associação, uma ONG, sobre um conjunto de ações a serem desenvolvidas que dizem respeito a todas as rádios, e não apenas à Abraço. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) poderia ser (e foi) o fórum adequado para se discutir e avaliar propostas para o setor, mas o pretenso acordo foi estabelecido com uma só entidade, a Abraço; e extra a Confecom.


Texto não fala em acordo


Tudo isso nos leva a imaginar que o documento seria apenas uma carta de intenções políticas. No melhor sentido, uma promessa sem garantias; no pior sentido, uma farsa construída com o fim de enganar o movimento e exibir um falso poder político da Abraço sobre o Executivo. Uma coisa é certa, os que assinaram este documento – entre eles o então consultor jurídico do Ministério das Comunicações – sabiam que ele não é um documento, e muito menos um acordo. Está claro que ninguém pode cobrar a sua execução dos que o assinaram (funcionários subalternos no Estado) em nenhuma instância jurídica. Isto é, qual a validade de um acordo que não pode ser cobrado? Ou seja: não há acordo.


Feitas as ressalvas quanto à legitimidade e representatividade da Abraço junto ao Estado e à sociedade, bem como a relação desse documento com o Estado brasileiro, podemos agora avaliar o seu conteúdo.


O texto de abertura é confuso. Ele junta concepções genéricas sobre a importância da Confecom, a importância das rádios comunitárias e a democratização da mídia, e informa que ‘a Abraço é uma organização que congrega entidades que têm interesse nesse serviço de radiodifusão’.


O quinto parágrafo do documento é o que nos interessa. Diz lá:




‘Muitas das iniciativas da entidade são propostas apoiadas pelo governo, outras inclusive já encaminhadas’ (sic).


Estas duas linhas de texto abrem, sem os dois pontos de praxe, para os termos desse acordo. Acordo? Isto é importante: embora a Abraço diga que foi fechado um acordo aqui não diz isso. O texto não diz isso!


Inocentes ou cúmplices?


Portanto, mesmo que este papel fosse assinado pelos três ministros, nos termos em que foi redigido não tem nenhuma validade. Ninguém pode cobrar nada na Justiça. Aliás, em lugar nenhum. Não há como cobrar do Executivo pelo que ‘prometeu’ porque não foi prometido nada. Hoje, se cobrados, qualquer um dos três que assinaram o documento podem questionar: ‘mas onde, no texto, diz que nós fizemos um acordo ou assumimos o compromisso de que faríamos isso ou aquilo?’ É verdade, não tem isso. Ninguém pode ser cobrado por algo que não está no papel. Tem alguém blefando.


Se fosse um acordo, o documento, no mínimo, deveria conter expressões como: ‘as partes acordam em…’; ou, ‘o ministério X se compromete a…’; ou, ‘por este acordo, cabe ao ministério X e à secretaria Y fazer…’; ou, ‘por este documento nos comprometemos a…’; ou, quem sabe, ‘em nome das instituições que representamos nós, abaixo assinados, nos comprometemos a…’; ou ainda, ‘a Presidência da República se compromete a…’. São várias as opções de texto, mas nenhuma delas está no texto. Por este documento (se é que é um documento), os signatários podem até viabilizar algumas propostas, mas não há nada que os obrigue a fazer isso. Portanto, seu valor é zero. Além do mais, um acordo decente, prevendo a realização de algo por uma das partes, tem prazo. Este documento não aponta prazo nenhum. Também nisso ele é inútil.


Será que os funcionários do Estado que assinaram o acordo não perceberam isso? Será que os dirigentes da Abraço não perceberam que o texto não trata de acordo, convênio, compromisso, ou algo parecido? Será que os envolvidos (dirigentes da Abraço e representantes do Estado) não notaram que o papel assinado não vale nada? Será que os dirigentes da Abraço continuam divulgando esse documento inútil como acordo porque, inocentemente, acreditam que se trata de um acordo? Ou estão sendo cúmplices desse blefe?


As propostas divulgadas


É preciso ainda observar mais algumas irregularidades: 1) a redação é confusa, deixando margem a dúvidas e subentendidos; 2) é um documento sem data; 3) ele não tem o timbre oficial de nenhuma entidade ou do governo; 4) Heitor Reis, antigo militante da área, além de observar questões como estas assinaladas, no artigo ‘Professor de comunicação manipula a informação’, observa ainda que o ‘documento’ assinado pelos três personagens do Estado não tem título.


O que é isso, então? Um engodo. Uma farsa. Um blefe. Não existe acordo! Defender esse papel como ‘acordo da Abraço com o governo’ é mentir para os militantes das rádios comunitárias.


Feitas essas digressões, analisemos as propostas da Abraço, contidas nesse papel divulgado como ‘acordo’:


a) ‘Criação da Subsecretaria de Radiodifusão comunitária’.


A proposta é antiga e perfeitamente válida. Dois Grupos de Trabalhos (GTs) já tinham feito essa proposta, mas o governo as desprezou.


b) ‘Abertura de aviso de habilitação permanente…’


Uma boa proposta.


c) ‘Criação de lista única (disponibilizada na internet) dos processos…’


A transparência é um dos princípios da administração pública. Basta o governo seguir a lei.


d) Agilização dos processos com a contratação de mais servidores.


Outra boa proposta. E também das antigas. Foi apresentada pelo primeiro GT, há mais de cinco anos.


e) ‘Realização de mutirão com o intuito de colocar em dia os processos que estão em tramitação no Ministério das Comunicações’.


Mais uma boa proposta que não é novidade.


f)Consideração de processos, de solicitação de outorga, arquivados pelo Ministério das Comunicações‘ (grifo nosso).


Agressão à legislação


Entenda-se a expressão ‘consideração’ como uma proposta de reavaliação dos processos arquivados. A medida é boa, afinal muitas emissoras foram discriminadas por razões políticas ou religiosas. O ideal, porém, seria uma revisão de todos os processos, incluindo as autorizadas.


Existe um número considerável de emissoras que não são comunitárias, mas têm autorização. Elas pertencem a igrejas ou políticos. O Ministério das Comunicações deu a outorga para essas emissoras. Trata-se de ilegalidade divulgada várias vezes aqui neste Observatório. Vide o trabalho executado pelo professor Venício de Lima e pelo consultor da Câmara, Cristiano Lopes, denunciando a distribuição de rádios comunitárias para padres, pastores e políticos [ver, neste OI, ‘Rádios comunitárias – O coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)‘].


Se este fosse um país sério, o ministro Hélio Costa e aqueles que promoveram tais irregularidades certamente estariam sendo submetidos a um processo administrativo por agredirem a legislação das rádios comunitárias e acatarem o tráfico de influência dentro do Ministério.


Uma questão temerária


g) ‘Criação de representações estaduais do Ministério das Comunicações…’


Uma boa proposta.


h) ‘…nenhum processo de solicitação de outorga poderá ser indeferido sem que seja oferecido ao solicitante ampla possibilidade para adequação as exigências legais’.


Isto já deveria estar ocorrendo. É um direito.


i) ‘revogação da legislação que considera crime a operação de emissoras sem autorização, tendo inclusive encaminhado Projeto de Lei neste sentido, ao qual serão aceitas emendas’ (sic), grifo nosso.


Esta é a questão mais temerária neste pretenso acordo da Abraço com o governo. O Projeto de Lei (PL) encaminhado ao Congresso Nacional pelo governo (nº 4573/08), ao qual se refere o texto do ‘acordo’, é um ato de má-fé do Executivo. O referido PL torna maior ainda a repressão às rádios comunitárias. Sobre o tema, publiquei artigo neste Observatório denunciando a proposta indecente do governo.


Um bom substitutivo


Fontes dentro da Abraço dizem que a entidade negociou com o Ministério da Justiça a redação deste PL. Talvez não seja verdade. Mas se for, a Abraço terá cometido uma das ações mais vis contra quem foi punido por colocar no ar emissora sem autorização.


O PL do governo é um complexo emaranhado de citações de outras legislações, corrigindo ou eliminado artigos aqui e ali, acrescentando expressões e dando a impressão de que busca uma melhoria na legislação. E não é verdade. A redação é intencionalmente oblíqua; sua intenção é confundir o leitor para que ele não perceba que, se aprovado, a situação vai ficar bem pior. Agora quem lida com ‘rádio pirata’ não é a legislação referente à comunicação, mas o Código Penal.


O PL do governo diz que basta a pessoa expor uma aeronave ao perigo (não precisa que ocorra o acidente) para que seus dirigentes sejam condenados a pena de reclusão de dois a cinco anos. Além disso, hoje esse tipo de ameaça (reclusão) paira somente sobre as emissoras sem autorização; se esse projeto for aprovado todas – autorizadas ou não – podem ser citadas. O PL, portanto, é uma tentativa camuflada de legitimar e ampliar a repressão sobre as rádios comunitárias.


O leigo pode até acreditar que falta realmente um Projeto de Lei que anistie os que estão sendo punidos por colocar uma rádio sem autorização. Mas não é o fato. Quase meia de dúzia de Projetos de Lei tramitam na Congresso Nacional tratando de anistia. Em meados de 2008, a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados aprovou relatório com substitutivo do deputado Walter Pinheiro (PT-BA) pela anistia. O substitutivo é bom. E foi encaminhado à última comissão de Constituição e Justiça da Câmara, prevendo, se aprovado, ir ao Senado e então à sanção do presidente Lula. Restavam somente dois passos.


Problemas nas grandes cidades


Mas o governo federal não estava satisfeito com uma provável anistia dos radialistas e dirigentes de rádios comunitárias. E encaminhou este PL (nº 4573/08) ao Congresso Nacional que, como vimos aqui, é mais que um retrocesso, é uma ação maquiavélica contra as rádios comunitárias.


O texto do ‘acordo’ sugere que ao PL ‘serão aceitas emendas’. Como emendas? Se já temos um PL de qualidade, aprovado na Comissão de mérito, por que deveríamos aceitar esse trambolho e nele fazer emendas? A pergunta correta é: se já temos um bom PL por que deveríamos tentar remendar o lixo? Por que veio do governo? Por que veio do PT? É injustificável para a Abraço, ou outra entidade que atua no meio, a defesa de um Projeto de Lei que é contra as rádios comunitárias.


j) comprovação da interferência por laudo técnico de engenheiro. Notificação da emissora outorgada para apresentação de defesa prévia. Caso a defesa prévia não seja aceita, notificação estabelecendo prazo para a emissora outorgada se adequar às especificações técnicas. Caso não seja atendida a notificação deverá ser aplicada multa. Em caso de reincidência, aplicação de multa com o valor dobrado. Em caso de nova reincidência, apreensão dos equipamentos’ (sic).


A proposta é positiva.


k) ‘Aumento do número de canais (…) com a alocação de, no mínimo, três canais na faixa de 88 a 108 MHz. A existência de um único canal para as rádios comunitárias gera problemas nas grandes cidades‘ (grifo nosso).


Algumas omissões


A proposta não é ruim, mas merece um debate. O certo é estabelecer uma partilha do espectro. Algo assim: um terço para emissoras comerciais; um terço para comunitárias; um terço para estatais e educativas. Quanto a gerar problemas nas grandes cidades, isso é meia verdade. Um só canal gera problemas em todas as cidades – grandes ou pequenas. Basta aparecer uma outra rádio comunitária e os sinais vão se misturar no ar.


l) ‘destinação de publicidade institucional e de utilidade pública considerando a lei’.


A redação é insatisfatória. Faltou dizer a quem cabe a destinação de publicidade. Imagina-se que do setor público. Imagina-se… Mas faltou o principal, estabelecer uma definição para ‘apoio cultural’, algo que a Norma Operacional 01/04 falsamente define e os agentes da Anatel, conforme o humor, multam quem acham que merece ser multado.


m) ‘Liberação de rede entre rádios comunitárias em casos de calamidade pública’.


Proposta desnecessária. O artigo 16 da Lei 9.612/98 já estabelece isso. Na verdade, o que as rádios querem é o direito de entrar em rede para veicular programas, em especial as redes de jornalismo, como existem em algumas regiões do país.


Já que se fala em propostas, seria o caso de apontar algumas que faltaram nesse documento divulgado pela Abraço:




1. Fim dos negócios políticos com rádios comunitárias na Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Existe uma vergonhosa central de favores funcionando no Palácio do Planalto, liberando processos de rádios para aliados e parceiros.


2. Proteção contra interferências. O artigo 22 da Lei 9.612/98 diz que as rádios comunitárias não têm proteção contra interferências das comerciais, mas se ocorre o contrário, se uma emissora comunitária interfere em outro serviço será devidamente punida.


3. Alcance/potência: conforme as dimensões da comunidade.


4. Fim da exigência de que os diretores devam morar dentro do raio de alcance da rádio, 1 km, conforme estabelece a Norma 01/04.


5. Revogação do art. 70 da lei 4.117/62, criado pelo regime militar. Revogação do art. 183 da Lei 9472/97 (Lei Geral de Telecomunicações). Os dois dispositivos são usados na repressão às rádios de baixa potência. Edição de Medida Provisória anistiando os punidos por eles.


6. Revogação do Art. 3º da Lei 10.871/04, atribuindo aos agentes da Anatel o poder de ‘interditar estabelecimentos, instalações ou equipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual em caso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções’.


7. Criar fundo para as rádios comunitárias. Há diversos projetos neste sentido tramitando no Congresso Nacional.


Governo não tem compromisso algum


Infelizmente, o governo Lula chega ao final do mandato de forma melancólica no que se refere às rádios comunitárias. Ao longo desses quase oito anos de governo, os seus emissários (segundo ou terceiro escalão, ou burocratas, tecnocratas, carrapatos do poder) enviados para dialogar com o movimento das rádios comunitárias mudaram de discurso, mas não de prática. Eles sempre tentaram enrolar, engabelar, enganar, criando GTs, fazendo propostas que se sabem inexequíveis.


O pretenso acordo, apresentado ao final da Confecom, é mais uma tentativa de engabelação. Apesar da propaganda, ele não tem nada de formal, de legal, de oficial. Pode ser considerado, no máximo, uma conversa que se pôs no papel. E uma conversa que mais recua que avança, mais se submete que dá autonomia ao movimento das rádios comunitárias. Enfim, divulgar esta conversa enviesada (quando se acatariam propostas que são contra o movimento) como se acordo fosse, é sustentar a farsa, é ir contra as rádios comunitárias.


Acordo não há. Acordo não está no papel. O governo não tem nenhum compromisso com aquilo que está ali. E se por acaso ele resolver implantar algumas dessas propostas será por razões políticas, talvez para reduzir a imagem negativa que tem junto às rádios comunitárias, e jamais por causa de um acordo ou do que está nesse papel sem timbre, sem data, sem a assinatura de uma das partes, sem prazos, sem compromissos firmados. É triste que reconhecer que se trata de mais um blefe.

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Jornalista, autor dos livros A arte de pensar e fazer rádios comunitárias e Trilha apaixonada das rádios comunitárias…, mestrando em Comunicação da Universidade de Brasília