Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um atentado à comunicação

É só um detalhe, mas faz toda a diferença… Qual seria exatamente o objeto da campanha de esclarecimento para o referendo sobre o desarmamento? Para ser legítimo tinha que estar acima de qualquer suspeita e não deixar dúvidas. Dá a entender que o que está em questão é o seguinte: se apóia uma cultura de paz, tecle sim, se gosta da violência, tecle não. Não fica claro que o que está em jogo é a manutenção ou não de uma liberdade individual, de um direito. E a imprensa não ajuda a esclarecer.

A proibição de direitos constitucionais não resolveu questões onde essa ‘solução’ foi aplicada anteriormente, nem no Brasil nem em lugar nenhum do mundo. Ao contrário, serviu para alimentar a corrupção, cujos níveis no Brasil já são quase insuportáveis. Proibir, seja lá o que for, só aquece os mercados negros.

Sendo o comércio ilegal, o grande problema é que não será afetado pela proposta. A campanha pelo Sim à proibição se pauta em casos de mortes estúpidas acontecidas em situações domésticas, por motivos torpes ou banais, como desavenças, o que é lamentável, sem sombra de dúvida, mas longe de ser questão constitucional. Já estão no bojo das leis em vigor as situações de perturbação da ordem ou crimes. A Constituição Federal tem por princípio a manutenção dos direitos universais do homem. O direito à liberdade não pode ser tolhido por questões circunstanciais. Exercer a liberdade com responsabilidade é um direito inalienável do cidadão, e é isto que está em jogo. Isso não fica claro nessa campanha tendenciosa e confusa.

Pior, só mesmo a do Não

A supressão de direitos legais não facilita sequer o controle da atuação do Estado onde lhe cabe atuar. Tome-se como exemplo a questão da proibição da maconha. Nos países onde é legalizado o consumo recreativo o Estado não atua de forma policial, mas investe fortemente na área da saúde, levando assistência ao cidadão que a requeira. Assim acontece com consumidores que perdem o controle responsável de suas vidas pelo consumo de qualquer droga. Intervenções policiais ocorrem somente se, como em qualquer outra ocorrência, houver perturbação da ordem. No Brasil, com a proibição, qualquer garoto apanhado com um único cigarro de maconha pode ser vítima de chantagem policial e humilhações, ou ainda ser fichado como bandido. Resolve?

As melhores armas entregues à polícia para serem destruídas na recente campanha pelo desarmamento já estão reaparecendo em poder de traficantes no Rio. O dinheiro apreendido com traficantes pela Polícia Federal sumiu da sede da instituição carioca.

É nesse cenário que se apresenta ao povo brasileiro uma campanha para um referendo sobre uma mudança na Constituição, usando recursos técnicos conhecidos, como testemunhos de atores famosos e simpáticos ao público, fundo musical aprazível, dando a entender que essa mudança vai tornar nossa vida melhor e mais feliz. Digo dando a entender porque não esclarece como isso vai acontecer.

Pior somente o filme produzido para o Não, que não expõe parecer jurídico sobre a perda voluntária de um direito constitucional, e, em vez disso, coloca no ar uma narradora que mais parece a vilã do Sítio do Picapau Amarelo, a megera Marcela.

Grande distorção

Não fossem as óbvias mensagens subliminares embutidas nas duas propostas para induzirem a um resultado, o mínimo que se poderia exigir é que o Não fosse Não e o Sim fosse Sim à manutenção do direito. Mesmo sendo formada em Letras e jornalista cheguei a ficar confusa. Imagino o grosso do povo brasileiro…

Uma cultura de paz e uma sociedade harmônica passam pelo respeito aos direitos do cidadão. Direito à educação, à saúde, a esporte e lazer. Passa pelo amor ao próximo e pela inclusão social. Ao criar proibições e exceções e aceitar a tutela do Estado em questões de fôro íntimo estamos indo na contramão e criando exclusão. Criando dificuldades para vender facilidades, prática antiga na indústria do caixa 2.

Como esclarecimento, essa campanha é um atentado à comunicação e deveria ser retirada do ar. Ou se refaz a campanha e se adia o referendo ou estejamos preparados para uma grande distorção.

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Jornalista