Historicamente, os governos brasileiros encaram a comunicação sob uma lógica estritamente mercadológica. Assim, em nosso sistema de comunicação, predominam os meios privados. Faltam canais públicos. Falta a criação (e execução) de fundos públicos destinados à comunicação comunitária, popular e independente.
Nas mãos do capital, veículos de informação privados transitam no âmbito público, monopolizando as informações e, assim, se constituindo num ‘poder específico’ . Em nome de uma falsa ‘liberdade de expressão’, direitos humanos são violados e segmentos da população tornam-se invisíveis ao senso comum.
Do outro lado – talvez no oposto –, estão os movimentos sociais, que já há algum tempo lutam pela efetivação do direito humano à comunicação, pilar fundamental para cidadania e o exercício da democracia.
Esse embate, que não ganha visibilidade no dia-a-dia na ‘esfera pública’, tem uma oportunidade agora de se materializar diante do processo de decisão em relação à implantação da TV digital no Brasil. Alguns setores do governo e do empresariado minimizam o debate. ‘Procuramos apenas o melhor padrão. A discussão é apenas técnica’, enrola um(a). ‘Temos pressa. Precisamos decidir logo’, engana outro(a).
Em ano de eleição, será que o governo vai contrariar os interesses da mídia?
Não há como se discutir TV Digital sem avaliar os impactos sociais e políticos que a implantação desta TV pode ter na sociedade. Se 90% dos lares brasileiros têm televisores, como é que a mudança de padrão pode servir para garantir o direito à comunicação, proporcionando, por exemplo, uma maior interatividade e diversidade na programação ? Vale lembrar que a TV forma e condiciona o olhar dos(as) brasileiros(as), sendo um dos principais acessos de informação.
Enfim, no discurso dominante, é como se tivéssemos um remédio (para satisfazer os anseios do mercado) sem saber (ou sem se importar) sobre o diagnóstico da nossa doença. E, nesse debate, várias questões estão postas. Como vai ser garantida a veiculação de conteúdos produzidos pelas diferentes parcelas da sociedade? Qual será o custo do acesso a essa nova tecnologia? Será essa TV mais um instrumento para acentuar as nossas desigualdades? Por que não utilizar os avanços tecnológicos das universidades brasileiras?
Alta definição de imagem e ‘fidelidade de sons’ não bastam diante de tantas perguntas. Uma questão-chave é a urgente necessidade da multiplicidade de canais. Afinal de contas, a digitalização traz consigo a possibilidade de uma otimização da ocupação do espectro eletromagnético. Mais canais pode significar mais vozes. Ou não. Vamos escolher um padrão e depois perceber que ele não contempla esse item?
Transparência e participação
E as leis? Como ficam? É preciso fazer valer as normas constitucionais da comunicação. Como o artigo 220 do capítulo V da Constituição de 1988, que proíbe o monopólio e oligopólio dos meios de comunicação. E o artigo 223, que fala da tal complementaridade dos meios de comunicação (privado, público e estatal)? É preciso reformular as leis de acordo com o nosso tempo tecnológico. Para se ter uma idéia, a lei que regulamenta a radiodifusão é de 1962, quando ainda penávamos com tevês em preto e branco.
As concessões também precisam ser revistas. Por que não aproveitar este momento para checar se as empresas que utilizam os canais estão de acordo com os princípios e finalidades previstas na Constituição? Só para lembrar, a Carta Magna diz que a programação de televisão deve dar preferência a finalidades educativas, culturais, artísticas e informativas. Diz que deve promover a cultura nacional e regional, estimular a produção independente e respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Por que não arrumamos a casa de vez, repensando o Conselho de Comunicação Social, no qual há pouca representatividade da parte da sociedade que luta pelo direito à comunicação?
Diante desse panorama, várias estratégias de diálogo foram feitas pela sociedade civil. Audiências públicas, material explicativo, entrega de cartas, abaixo-assinados. Entidades, redes e movimentos unem-se para exigir um debate mais transparente, para que a digitalização da TV possa vir acompanhada de uma necessária mudança de paradigma na maneira de se ver comunicação. Tudo isso pode ser conferido em sites como www.intervozes.org.br/digital, www.crisbrasil.org.br e www.fndc.org.br
Para sermos ouvidos e ouvidas, precisamos fazer mais. Por isso, no próximo dia 4 de abril, em Brasília, será realizada uma plenária para que as diversas organizações da sociedade civil dialoguem sobre este tema, sobre sua repercussão para a vida da população e que lugar desejam ocupar neste processo. Será apresentada a proposta da criação de uma Frente Nacional por TV e Rádio Digital Democráticos.
Por motivos eleitoreiros e comerciais, uma parcela do governo e do empresariado quer atropelar o processo. Cabe às entidades representativas da sociedade civil impedir que isso aconteça. Cobrando transparência e participando ativamente da discussão.