Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um registro histórico

Pouco ficou registrado das proezas técnicas nas primeiras transmissões de televisão do Brasil. Recordemos, pois. A primeiras transmissões experimentais de TV no Brasil aconteceram na primeira metade do século 20, nas faixas de ondas curtas, por iniciativa de Roquette Pinto, um dos pioneiros do rádio. As transmissões foram realizadas em equipamento eletromecânico de dissecção de imagens, baseado nos engenhos do pesquisador escocês John L. Baird, um dos ‘pais’ da televisão.

A inauguração da TV no Brasil ocorreu em 1950, por iniciativa de Chateaubriand, presidente da Tupi. A TV chegou ao país sem a menor discussão, os sistemas de TV do Rio e São Paulo eram incompatíveis… São Paulo usava o padrão ‘M’ em 60 Hertz, 525 linhas. O Rio usava o padrão ‘N’ em 50 Hertz, 625 linhas, como usam até hoje Argentina, Paraguai e Uruguai. O problema era decorrente das diferenças dos sistemas de energia elétrica disponíveis em cada estado (Sistema Americano em 60 Hertz, Sistema Europeu em 50 Hertz).

A troca de energia entre os estados só era possível através de estações conversoras de freqüências eletromecânicas (motogeradores). A troca de programas de televisão entre Rio e São Paulo (via microondas) era um desastre. A diferença de freqüência dos quadros provocava forte cintilação nas imagens.

Na década de 1960, unificou-se o padrão de energia para 60 Hz e o padrão ‘M’ de televisão tornou-se oficial para todo o Brasil. A inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, foi assistida pelos estados de São Paulo e da Guanabara, ao vivo, graças a um engenhoso sistema de repetição de sinais. Um avião DC-3 circundava a nova capital, capturava os sinais de TV vindos de Brasília que eram retransmitidos para outro DC-3 (que circundava São Paulo ou Rio). O resto do enlace era feito por microondas terrestres.

O primeiro teste

As transmissões via satélite eram apenas uma promessa. Já havia sido usada a superfície da Lua como repetidora de sinais e os EUA testavam o primeiro satélite refletor passivo, o ECHO-1. Também o videotape não havia chegado ao país. As imagens da transmissão de Brasília foram registradas em películas cinematográficas, além das cenas tomadas no próprio local. Quem já viu essas imagens percebe os resultados dessa improvisação: as linhas de varredura horizontal e a distorção de linearidade vertical são fortemente acentuadas.

Cenas com características semelhantes podem ser vistas nas reportagens da inauguração da fábrica Volkswagen em São Bernardo do Campo, nas quais um dos ilustres passageiros de um fusca conversível é o presidente JK. Por volta de 1963, começaram as primeiras experiências de TV em cores. A Tupi de S. Paulo telecinava semanalmente o filme Bonanza no padrão americano NTSC-M. A TV Excelsior de São Paulo testou o sistema de TV em cores seqüencial CBS nos programas de Bibi Ferreira e Moacyr Franco. A Excelsior do Rio chegou a transmitir o show Times Square em NTSC, através de uma câmara Marconi, dotada de três válvulas orthicom (uma maravilha em resolução…).

A Globo do Rio (fundada em 1965) recepcionou o inventor do sistema PAL, Dr. Walter Bruch. Fizeram uma reportagem em circuito fechado no Jockey Clube. Foram utilizadas uma unidade móvel de reportagem Telefunken, Câmaras Philips e uma máquina de videotape Ampex VR-1100. A reportagem foi vista por técnicos e jornalistas. De acordo com Reynaldo Losso, participante das gravações, este talvez tenha sido o primeiro teste no padrão PAL no Brasil. Ou, pelo menos, da Globo.

Solução de compromisso

A França demonstrou o seu sistema em cores Secam, na Embaixada do Rio (havia duas variações: SECAM-L, em 625 linhas e uma versão em alta definição SECAM-E em 819 linhas; não sei qual foi apresentada). Quem viu, admirou-se com a qualidade e precisão das imagens. Pena que o Brasil tenha os seus canais ajustados para uma largura de 6 MHz e o sistema analógico francês rende bem em 8 ou 10 MHz…

A RCA instalou um sistema de telecine NTSC, em circuito fechado, em uma grande agência bancária do Rio, mas já era muito tarde. Em 1967, a fim de não prejudicar cerca de um milhão de proprietários de televisores em preto-e-branco, nem usar do caríssimo recurso de transmissão simultânea (como estão querendo fazer agora), o governo brasileiro decidiu-se pela adoção do sistema PAL-M, um híbrido do sistema alemão e americano desenvolvido por engenheiros da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Era o que havia de melhor nos dois sistemas: robustez e estabilidade de cores.

Foi uma solução de ‘compromisso de engenharia’. As transmissões em cores podiam ser recebidas pelos aparelhos em preto-e-branco sem a necessidade de adaptadores, e vice-versa, de modo que a transição de sistemas demorou mais de 20 anos sem risco de quebra de contrato social. (O mesmo aconteceu nos EUA em 1954, quando o país decidiu-se pelo padrão NTSC em vez do padrão seqüencial CBS.)

Mudança em breve

Em fins da década de 1960, a Embratel do Rio instalou um sistema transcodificador universal no Morro do Livramento, onde era possível converter todos os padrões mundiais de televisão NTSC, Secam, PAL em PAL-M e a primeira máquina de videotape Ampex V2000-B, que permitiu a gravação da Copa do México em PAL-M, em 1970 (o ano do tri-campeonato de futebol da seleção brasileira). Muitos juram ter visto essa copa em cores. Na verdade, assistiram aos tapes em 1974… Em 31 de março de 1972, o então ministro das Comunicações, Higyno Corsetti, anunciava, em rede nacional, o início oficial das transmissões em cores no Brasil.

Até hoje, passados 34 anos da implantação da TV em cores no Brasil, ainda são vendidos aparelhinhos ‘paraguaios’ de TV em preto-e-branco… Em função do baixo custo, baixo consumo, longo alcance e boa tolerância às interferências, 10% das TVs usadas pelos brasileiros ainda são monocromáticos.

O Brasil deve mudar o seu sistema de televisão brevemente. Espero que essa parte da população brasileira não seja esquecida. Agradecemos ao Sr. Losso por suas valiosas informações. Mais informações em http://sbtvd.anadigi.zip.net.

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Técnico eletrônico, Jundiaí, SP