Enquanto em 2007 as discussões centraram-se em torno das questões relacionadas à convergência, TVs pública e digital, 2008 deverá abrir espaço para o debate sobre o direito autoral. Para subsidiar a formulação de uma política autoral e uma possível revisão dessa lei, o Ministério da Cultura lançou no dia 5 de dezembro passado o Fórum Nacional de Direito Autoral, composto por cinco seminários sobre o tema. O primeiro deles – Direitos Autorais no Século XXI – foi realizado na ocasião. Os demais ocorrerão neste ano. Prestes a completar dez anos, a Lei 9610/98, que regulamenta o Direito Autoral, não atende ao novo cenário decorrente das novas tecnologias e criminaliza indistintamente a reprodução de conteúdos, dando margem a controvérsias.
Entre os pontos controversos apontados por especialistas na Lei do Direito Autoral, estão o equilíbrio das relações entre o criador e os investidores, o prazo de duração de proteção de uma obra, o regime de exploração econômica e a distinção entre cópia privada e comercial. No entendimento do Ministério vários pontos precisam ser revistos, promovendo ajustes nas limitações e exceções que tornam a lei talvez uma das mais rígidas do mundo. Problemas como prazo de proteção, registro da obra, regime de exploração econômica são exemplos citados.
Atualizar o marco legal
Os bens culturais – obras literárias, artísticas, científicas – são protegidos pela Lei nº. 9.610, 19 de fevereiro de 1998, que trata dos direitos autorais. ‘Em outras palavras, o produto do trabalho do autor é um bem cultural’, pondera Ericson Meister Scorsim, advogado e doutor em Direito do Estado. Segundo Scorsim, a regulação é bastante inflexível em termos de possibilidade de utilização gratuita de produtos culturais. ‘São pouquíssimas as hipóteses de afastamento das restrições em termos de utilização desses mesmos bens. A legislação tornou ilegal a cópia privada sem intuito de lucro, algo que nem os países europeus e os EUA o fizeram’, comenta.
‘O direito autoral está no centro da educação, da qualidade de vida, da força criativa de nossa sociedade e de uma vida social plena, principalmente no novo contexto que estamos vivendo. A velocidade que o meio digital imprimiu à circulação de informações e conteúdos culturais trazem um desafio para o autor em relação ao controle e retorno econômico de suas obras’, observou o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, durante a abertura do Fórum.
Gil lembrou também que há vários aspectos que não são contemplados pela atual lei do direito autoral. Exemplo disso é a diferenciação entre cópia privada e cópia comercial. ‘Uma atualização do marco legal no campo autoral é uma necessidade, uma forma de dotar o Brasil de meios mais legítimos, mais ágeis e mais atrativos, como a questão da cópia privada, do uso justo, da autorização para compartilhamento de obra e da questão das cópias para fins educacionais’, explicou.
Equilibrar direitos e tecnologias
No tocante à questão sobre direito autoral e acesso aos bens, a Constituição de 1988, protege tanto os direitos autorais quanto os direitos de acesso aos bens culturais, ambos qualificados como fundamentais. De acordo com Scorsim, uma nova lei deve harmonizar a preservação do núcleo essencial do direito autoral e, ao mesmo tempo, garantir o direito fundamental de acesso à cultura. ‘Ela deve encontrar o ponto de equilíbrio que garanta o exercício simultâneo dos dois direitos fundamentais’, argumenta. Para o advogado, o papel do direito é o de otimizar a evolução da tecnologia em favor da realização dos direitos fundamentais, particularmente os direitos de autor e de acesso aos bens culturais. ‘A história da evolução dos direitos é justamente marcada pelo progresso da técnica, mas esta precisa estar atrelada aos mesmos’, expõe.
Outro ponto a ser considerado na possível reformulação da lei, diz respeito à relação entre criador e as corporações que os representam. Na opinião de Celso Augusto Schröder, coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o direito autoral, da forma como foi constituído e amparado legalmente, protege as grandes corporações, tanto do ponto de vista nacional, quanto internacional.
Segundo Schröder, há três posições distintas referentes ao assunto: uma de proteção radical aos direitos, outra de absoluta liberação dos mesmos e uma terceira visando a proteção intermediária. ‘Nós, de certa forma, compartilhamos com a proteção difusa (intermediária), que garante direito aos autores e se diluindo o dos atravessadores’, defende. De acordo com o coordenador, é preciso pensar esse direito a partir da concepção de produtor e consumidor. ‘O Ministério da Cultura tem que pensar nos bens culturais como patrimônio nacional, e por isso de obrigatória proteção do estado’, finaliza.
Scorsim diz que boa parte dos direitos autorais não pertence exclusivamente aos indivíduos que criam obras artísticas, científicas e literárias. ‘Eles foram comprados pelas grandes corporações transnacionais que atuam em escala global ou grandes corporações nacionais’. Dessa forma, de acordo com o advogado, o direito autoral acaba não protegendo os indivíduos criadores de modo a valorizar seu trabalho, mas sim vem a beneficiar as corporações. ‘O problema não é o lucro, mas sim a concentração da propriedade privada.
Tensionar a economia de mercado
O advogado Denis Barbosa, do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual, um dos participantes do Fórum Nacional, acredita que para repensar o direito autoral é necessário estabelecer os termos do equilíbrio a ser alcançado: o retorno do trabalho do criador, o direito fundamental ao domínio público e a atividade criativa como expressão da economia de mercado. ‘A propriedade intelectual é apenas um dos meios existentes de prover a consagração do trabalho do criador’, opina. ‘A Constituição brasileira assegura aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras. Optou-se pela conversão do intelectual em econômico. É uma das soluções possíveis, mas não a única. E ela se ajusta a um modo de produção específico, que é a economia de mercado’, afirma Barbosa.
Para o ministro da Cultura, a finalidade última de uma lei autoral deveria ser a de incentivar a criação, ou seja, os autores. Segundo ele, são poucos os grupos culturais e artistas satisfeitos com o atual modelo. ‘Vemos situações de enorme injustiça e falta de transparência: como a permissão de contratos abusivos em que autores cedem todos os direitos de suas obras em troca de uma antecipação pífia; situações em que os autores perdem até o direito elementar de recriar e reinventar suas próprias criações, e assim por diante’, conclui.
Novos seminários
O Fórum Nacional de Direito Autoral prevê ainda quatro seminários nacionais e um internacional, durante todo o ano de 2008. Os eventos enfocarão a gestão coletiva; acadêmicos e especialistas em direito autoral, artistas e autores, usuários e consumidores de obras protegidas. Até o fim de 2008 e início de 2009, o Minc pretende levar ao Congresso Nacional um projeto de nova lei regulando os direitos autorais no Brasil.
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Da Redação FNDC