Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Velha mídia e democracia

O tema da democratização dos meios de comunicação não é novo no Brasil. Vem sendo levantado há tempos, especialmente por organizações sociais voltadas à garantia dos direitos dos brasileiros e brasileiras, feridos por uma comunicação submetida exclusivamente a um grupo seleto de famílias proprietárias, cujo discurso uniforme não contempla a diversidade cultural, política, social, étnica, de gênero, da sociedade.


O problema da comunicação é tão sério no Brasil que não pode ser entregue apenas aos jornalistas, que também compreendem nosso profundo atraso. E por atraso, aqui, leia-se não apenas o monopólio ou oligopólio familiar da velha mídia, mas, também, o fato de termos um Código de Telecomunicações de 1962, prestes a completar meio século – ou seja, anterior ao auge da televisão e da reviravolta gerada na cena midiática com a predominância digital. Não há justificativa para qualquer protelação no enfrentamento do problema.


Reforma urgente


Se falamos, e com razão, de reformas urgentes no País, como a reforma política, para a consolidação da vida democrática, todos nós temos responsabilidade de apressar o novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. Que não nos rendamos aos argumentos mentirosos da velha mídia que pretende confundir regulação com censura, opor regulação à liberdade de imprensa. Fossem verdadeiros tais argumentos, os países de democracia já consolidada teriam de ser acusados de inimigos da liberdade de imprensa porque a esmagadora maioria deles está submetida a leis de regulação bastante rigorosas.


Recente trabalho da Unesco sobre a mídia no Brasil, divulgado de maneira envergonhada pela maior parte de nossa velha mídia, evidencia o que estou dizendo. A regulação, aliás, é que garante a liberdade de expressão e, também, a liberdade de imprensa, segundo o trabalho. Havendo regulação, se democrática como deve ser, haverá necessariamente uma pluralidade de vozes nos meios de comunicação, e não essa espécie de pensamento único a que estamos submetidos atualmente.


Não se pretende, claro, uma transformação por dentro da mídia. Ela continuará preconceituosa, elitista, e sempre alinhada com projetos políticos conservadores no Brasil. Tem provado isso. Tem demonstrado coerência, isso ninguém pode ou deve negar. O que se pretende, ao contrário do que dizem os adversários da democratização, é o cumprimento do princípio democrático da máxima dispersão da propriedade, como diria o professor Venício Lima (quem quiser conhecer um pouco da larga visão desse professor, recomendo seu último e notável livro Regulação das comunicações – História, poder e direitos‘, da Editora Paulus).


Respeito à Constituição


Os que lutam pelo direito à comunicação pretendem democratizar o acesso aos meios. Isto significa garantir que as rádios comunitárias se expandam pelo Brasil afora, organizadas pela sociedade, por entidades da sociedade civil. Garantir a existência de um sistema público de comunicação, como determina a Constituição, que fala no princípio da complementaridade entre o setor privado, o estatal e o público. Assegurar que não prevaleçam monopólios da mídia, tão evidentes atualmente e já de algum tempo, proibição expressa também pela Constituição de 1988, cujos artigos referentes à comunicação ainda carecem, estranhamente ou compreensivelmente, de regulamentação.


Pretendemos garantir que todos os meios de comunicação, inclusive a velha mídia, respeitem os princípios da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Além de promover a cultura nacional e regional e estimular a produção independente, como também, obedecer aos princípios da regionalização da produção cultural, artística e jornalística.


E, por fim, que se respeitem, em toda a programação, os valores éticos e sociais da pessoa e da família, conforme está escrito em nossa Constituição e que, há muito tempo, são desrespeitados flagrantemente pela velha mídia.


De alguma forma, para além de um novo marco regulatório, a regulamentação da Constituição já seria um passo adiante na ordenação da nossa mídia, já significaria uma nova configuração dos meios de comunicação, uma configuração muito mais democrática.


Vejam bem: o que estamos pedindo é o cumprimento do que está estabelecido na Constituição como um dos primeiros passos para a democratização da mídia. Como, por exemplo, colocar em funcionamento o Conselho de Comunicação Social, barrado até agora no Senado. Embora existente, não são nomeados os seus integrantes e não é colocado em prática.


A perspectiva de aprovação de um marco regulatório geral para as comunicações se inserem num movimento muito amplo em toda a América Latina. A Argentina, por exemplo, aprovou recentemente uma Lei de Meios, adequando o País às novas circunstâncias, tornando-o contemporâneo dessa era midiática, deixando de se subordinar às velhas mídias e opondo-se aos ditames dos oligopólios. Nós não podemos continuar como se nada tivesse acontecido dos anos 60 do século passado até hoje.


Apesar de tudo, há sinais de mudanças, tanto no campo das iniciativas do Estado brasileiro, quanto de impactos decorrentes das novas mídias. No governo Lula, houve a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, além do lançamento do Plano Nacional de Banda Larga e o início de um processo de regionalização das verbas de publicidade oficial, além das primeiras iniciativas estaduais de criação de Conselhos de Comunicação Social no Ceará e na Bahia.


Na parte final do segundo mandato do presidente Lula, o ministro Franklin Martins capitaneou um processo de discussão sobre um novo marco regulatório das comunicações. O projeto desse novo marco foi concluído e está nas mãos do ministro Paulo Bernardo. Nossa expectativa é que ele chegue logo à Câmara Federal para que iniciemos uma ampla discussão, envolvendo os parlamentares e todos os setores da sociedade brasileira que tenham interesse no assunto.


As novas mídias, impulsionadas e garantidas pela internet, estabelecem o contraponto com a velha mídia. A internet desafia hoje a tudo e a todos. Há a configuração de uma nova sociabilidade, uma nova forma de estar no mundo pelas transformações que ela provoca. O programa que as velhas mídias têm para o Brasil, hoje, enfrenta contrapontos nada desprezíveis, a partir dos tantos blogs, portais que não estão submetidos ao pensamento único da oligarquia midiática. Mas, isso nós não vamos discutir aqui por sua amplitude.


No Brasil, as mudanças não são tão rápidas, mas acontecem, e muitas delas só como decorrência da pressão popular, da movimentação social. Só creio em mudanças no campo das comunicações se a sociedade brasileira compreender a importância de fazer valer seu direito à comunicação.


Frente do Direito à Comunicação


Foi com esta visão geral que lançamos a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação com participação popular, no dia 19 de abril, na Câmara Federal. Importante dizer que, além dos mais de 190 parlamentares que subscreveram o manifesto de constituição da frente, houve uma intensa participação de entidades da sociedade civil de todo o País, quase 100 delas, todas interessadas na democratização das comunicações no Brasil.


Rendo minhas homenagens, por dever de justiça, à deputada Luiza Erundina, que vem se dedicando a essa luta há muito tempo, e que, por isso mesmo, inclusive por proposta minha, tornou-se coordenadora da frente, com absoluta justiça. Destaco a quase totalidade da bancada do PT, signatária do manifesto de constituição da frente, o deputado Paulo Pimenta, também do PT, autor da chamada PEC do diploma, os deputados Jean Willis, Ivan Valente e Chico Alencar, do PSOL, a deputada Jandira Feghali, do PC do B, e o deputado Brizola Neto, do PDT, dentre tantos que contribuíram para a constituição dessa frente, que tem muito trabalho e muita luta para desenvolver. Não custa repetir: a luta continua.

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Jornalista, doutor em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia, escritor e deputado federal (PT-BA)