Francisco Vasconcelos, repórter do Estadão, responsável por uma série de reportagens investigativas fundou no início dos anos 1960, com um dos seus chefes de reportagem, o primeiro jornal de bairro da zona norte de São Paulo e um dos primeiros da cidade. Desde o início, Vasconcelos sempre disse que, infelizmente, não pôde colocar seu jornal Tribuna Paulista à venda em bancas porque o Shopping News, jornal dominical da época, distribuído nos lares de vários bairros da cidade, havia criado o mal hábito da gratuidade nesse tipo de imprensa semanal. Ary Silva, que viria a fundar pouco tempo depois da iniciativa de Vasconcelos o segundo jornal da região, Gazeta da Zona Norte, devia comungar do mesmo pensamento, pois vinha de uma escola também de jornalismo, que era o departamento de esportes dos Diários Associados.
Todo mundo sabe que o trabalho jornalístico se desenvolve com base no gosto e na necessidade de informação do leitor, ouvinte ou espectador. Por isso, a venda em banca, como fórmula tradicional, e a venda por assinatura constituem a base de julgamento de todo trabalho jornalístico impresso. A venda é contundente, decisiva, na avaliação do trabalho da equipe de repórteres, fotógrafos, redatores e editores. Quando um jornal ou revista apresenta resultado em forma de repercussão de matérias é porque está vendendo bem. A grande dificuldade para o jornalista é justamente trabalhar a publicação gratuita, como o jornal Tribuna Paulista, que Vasconcelos criou, e outros jornais de bairro ou de sindicato, o house organ, a publicação segmentada etc. Simplesmente não há como auferir resultado objetivamente e este tipo de publicação em geral fica estagnada num número pequeno de profissionais, quando não apenas um, e sem condições de buscar um crescimento, um desafio de melhoria. Ainda mais quando é definida a publicação pelos seus milhares de exemplares, apesar de que estes exemplares podem estar sendo lidos ou muito pouco lidos.
Sob os desígnios do contratante
O mesmo se aplica ao jornalismo eletrônico, seja o de rádio ou de televisão. Só que a venda aqui é o Ibope, ou seja o nível de audiência medido pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. Tanto o número de exemplares vendidos como o índice de audiência alcançado pelo empreendimento jornalístico podem ser cruciais para o profissional, mas constituem a bússola que norteia todo seu trabalho. E esta é a característica principal do jornalismo e à qual todas as outras se subordinam: vender ou dar audiência. O editor que se der bem com a premissa da venda ou audiência vai constituir grandes equipes e ser elemento chave para os empreendedores que querem lançar uma publicação ou programa jornalístico ou mesmo para levantar a venda ou audiência de algum já existente. O que vale para o editor também vale para o repórter: a qualidade de seu trabalho sempre estará vinculada ao resultado de venda ou audiência.
E o assessor de comunicação, como se enquadraria nisso? Vai em busca de pautas que possam interessar ao jornalista da redação – como defendeu Vera Lúcia Rodrigues em artigo na Gazeta Mercantil [rolar a página para ver reprodução no OI] ou priorizará um planejamento cujo fim é a imagem da empresa ou instituição? Ou ainda seu objetivo será o volume e diversificação de publicações sobre sua empresa ou instituição, que impressiona mais seu chefe e a direção de um modo geral? Está claro aqui que há um esforço profissional, mas sempre em função da promoção do contratante, empresa ou instituição, através do espaço obtido no veículo jornalístico e do potencial deste como número de leitores ou nível de audiência. Nada mais.
Não estando em busca de leitores, ouvintes ou espectadores, mas aproveitando-se unicamente dos já existentes nos veículos de comunicação, e subordinando toda a sua atividade à imagem e em última instância aos desígnios do contratante, assessoria de comunicação jamais poderá ser confundida com atividade jornalística. Mesmo que em sua defesa se levantem as frases de maior efeito, originárias de nomes dos mais conceituados, tudo não passa de uma questão de ser ou não. Evidentemente, não é jornalista o assessor, ou melhor, o assessor pode ser qualquer um, seja jornalista, advogado, engenheiro, desde que se enquadre na lei, que prevê esta atividade para os diplomados no curso de relações públicas. Jornalista não tem nada a ver com assessoria de comunicação, a não ser contratado como consultor ou editor de um jornal ou publicação interna. Se fôssemos avaliar por afinidade, a assessoria de comunicações estaria mais ligada à publicidade. Há, inclusive, agências de propaganda que prestam assessoria de comunicação.
Defesa do indefensável
Esta afinidade da assessoria com a propaganda é mais que clara, ao verificarmos que ambas fazem parte do marketing da empresa. Enquanto a propaganda cuida da venda de produtos e da imagem da empresa, a assessoria de comunicações também cuida da divulgação dessa imagem. Desta forma, o que vale para a propaganda também vale para a assessoria, inclusive a experiência do publicitário Washington Olivetto, que vem mesmo ilustrar o que estamos defendendo: por mais de uma ocasião já disse ele que muitas vezes o esforço criativo do publicitário e mesmo o prestígio de que desfruta, por seus inúmeros ‘leões’ ganhos em Cannes, não representam nada, quando se trata de decidir sobre a campanha. É o cliente que paga e é ele quem decide. Então quando se diz que o assessor muitas vezes é obrigado a ‘abrir as pernas’ não é uma expressão para ofender, mas para traduzir uma situação de fato: o cliente ou patrão do assessor é quem decide e pronto!
Dell é o computador que está dominando as vendas corporativas de pequenas empresas aqui no Brasil. A empresa adotou uma estratégia de colocar sua marca em tudo, até no mouse e no teclado, e tem uma forte política de serviços. Estas são informações básicas com as quais o assessor irá trabalhar, além dos novos lançamentos a cada seis meses. Entretanto, do ponto de vista jornalístico, não são estas informações que a empresa tem interesse em divulgar, mas a guerra que está ocorrendo entre a Dell e a HP. É voz corrente na HP que esta vai acabar com a liderança da Dell em pouco tempo e para isso quais seriam as ações que estaria empregando? E a Dell o que está fazendo a respeito? No bastidor dessa guerra entre duas gigantes, o que acontece? Há muita sujeira como em toda disputa acirrada? Esta é uma situação de fato: o fato Dell apresenta um comportamento para o assessor e outro para o jornalista. Está clara a impossibilidade de conciliar os fundamentos do jornalismo com a atividade do assessor de comunicação.
Quem defende a idéia de atividade jornalística para o trabalho executado pelo assessor de comunicação tem o mérito de defender algo indefensável, que só a habilidade e retórica poderão convencer o mais leigo ou o mais interessado. Sabendo que nosso limite é o ‘santo gral’, são infinitos os recursos de provas estatísticas e elementos que venham ilustrar qualquer defesa. Mas, por mais elementos que possamos colocar na caverna, articulando sombras das mais diversas, a luz que está em seu fim é a mesma: assessor vende imagem da empresa ou instituição e jornalista vende jornal ou busca audiência. Não tem nada ver uma coisa com a outra.
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Jornalista