Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Visão de longo prazo e responsabilidade

As notícias a respeito da proposta de decreto instituindo um Plano Nacional de Banda Larga formulado por representantes da Casa Civil e da Secretaria de Planejamento são animadoras, apesar de alguns detalhes nos causarem alguma insegurança, como por exemplo a minuta do decreto a ser editado não se referir a serviço de comunicação de dados e redes de troncos, como está previsto na Lei Geral de Telecomunicações – LGT.

De qualquer forma, em respeito ao grande esforço que vem sendo feito pelos representantes do governo responsáveis pela condução do processo, acredito que as diretrizes anunciadas nos permitem criar a expectativa de melhora significativa na qualidade do provimento e redução significativa dos valores praticados hoje no mercado, bem como no quadro de penetração de todos os serviços de telecomunicações nos diversos segmentos sociais.

E isto porque a finalidade de diversos mecanismos regulatórios – que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não avaliou, o que já deveria ter feito há anos para estimular melhoria na qualidade, modicidade tarifária e ampla competição entre os agentes que atuam no mercado – poderá ser atendida pelo novo Plano Nacional.

O que a Anatel não fez durante os últimos onze anos decorridos desde a privatização – julho de 1998? Não estabeleceu modelo de custos para poder regular de forma eficiente as tarifas de varejo e de interconexão (inclusive do backhaul – rede de suporte para o serviço de comunicação de dados); e não definiu regras de compartilhamento das redes públicas; não definiu o Plano Geral de Competição – entre outras medidas que proporcionariam competição efetiva, estimulariam mais eficiência por parte das concessionárias e demais operadores dos serviços e mais qualidade e eficácia da própria agência na tarefa de regular e fiscalizar, pois haveria mais garantias de segurança.

Urgência gritante

Por compromisso com a justiça, devemos reconhecer que também o Ministério das Comunicações deixou de cumprir seu papel de formulador de políticas, pois nada fez de relevante durante os últimos anos no sentido de criar um ambiente institucional propício às prementes demandas da sociedade e do mercado no que diz respeito à necessidade de ampliação da infraestrutura e de redes de suporte aos serviços de comunicação de dados e garantias de acesso a preços módicos, criando condições para a promoção da tão almejada inclusão digital.

Ao contrário de garantir estes objetivos, durante os últimos anos o Ministério das Comunicações ocupou-se de alterar o Plano de Metas de Universalização colocando nas mãos das concessionárias o presente de poderem implantar o backhaul, estimulando maior concentração do mercado e utilização de recursos públicos em benefício do patrimônio privado. E essas circunstâncias pioraram com a alteração do Plano Geral de Outorgas, que autorizou a fusão entre duas concessionárias, em virtude do que restaram apenas três grandes empresas que são também controladoras das empresas que prestam a telefonia móvel – Telefônica, Vivo, Embratel, Claro e Oi – e portanto, também fazem o provimento da banda larga móvel, 3G.

Tudo isso em 2008 quando já estava gritante há anos a urgência da inclusão do serviço de comunicação de dados no regime público e a da imposição de metas de universalização e continuidade para o serviço de comunicação de dados (denominado de banda larga e regulamentado pela Anatel como serviço de comunicação multimídia – SCM). O Ministério das Comunicações ignorou a necessidade de um Plano Nacional de Banda Larga, instituído com a veste legal de política pública!

Retomada da Telebrás como gerenciadora

Na verdade, já em 1998 – ocasião das privatizações – as tendências dos mercados internacionais apontavam para que se desenhasse um modelo mais flexível para as telecomunicações, passível de se adaptar à pujante dinâmica do setor e de seu desenvolvimento tecnológico, bem como à demanda por novos serviços por parte das sociedades. Entretanto, interesses privados e partidários pautaram a definição do marco institucional sobre o qual se deu a desestatização da Telebras, cuja legalidade vem sendo questionada pelo aspecto público e criminal até hoje.

Indiscutível o desenvolvimento das telecomunicações nos últimos anos. Mas incontroversos também os bilionários investimentos públicos realizados nas subsidiárias da Telebrás durante o processo preparatório para a privatização, a partir de 1995, bem como os prejuízos decorrentes da inércia do Poder Executivo e da Anatel, quando em dezembro de 2005 prorrogaram os contratos de concessão por mais vinte anos – até 2025 – sem promover uma só mudança que fosse capaz de propiciar oxigênio regulatório suficiente para o fôlego do desenvolvimento das telecomunicações que a sociedade brasileira demandava desde então.

Prova disso são os apagões frequentes nas redes de comunicação de dados, a irrisória velocidade da banda larga ofertada no mercado e os preços escorchantes e desproporcionais à péssima qualidade dos serviços, inclusive da telefonia fixa, bem como os conflitos, inclusive judiciais, entre concessionárias, consumidores e o próprio governo.

Diante desse cenário, tudo indica que os objetivos almejados pela sociedade hoje poderão ser alcançados com a retomada da Telebras atuando como gerenciadora da rede nacional de acesso à internet. E, imprescindível, com a inclusão do serviço de comunicação de dados (chamado de banda larga) no regime público, como determina o § 1°, do art. 65, da Lei Geral de Telecomunicações e recomenda o bom senso.

Novas bases regulatórias

Bem vindo, então, o novo Plano Nacional de Banda Larga, cujo foco está na garantia de ampliação de acesso às infraestruturas e redes públicas para novos operadores, com estímulo à competição, melhoria na qualidade do provimento dos serviços de rede, modicidade tarifária e aumento da penetração dos diversos serviços de telecomunicações.

As notícias veiculadas informam que a Telebras, além de se incumbir da implantação e gestão de infraestruturas e redes, também proverá diretamente serviços para órgãos públicos e em localidades cujos mercados não despertem os interesses econômicos dos operadores privados, estimando-se valores entre R$ 15,00 e R$ 35,00 para a oferta do acesso à internet na velocidade mínima de 1 megabite por segundo.

É evidente que a promessa dessa nova realidade abalou a gana das concessionárias que estão confortáveis há anos apropriadas indevidamente das redes públicas de tronco pelas quais não pagaram na época das privatizações, auferindo ganhos exorbitantes, obtendo financiamentos bilionários no Banco Nacional de Desenvolvimento Social, mas deixando de fazer os investimentos devidos e impondo tarifas que impedem o crescimento da penetração de serviços básicos e de acesso à internet, pois vêm interferindo de forma reprovável nos processos de fixação de regras e condutas da Anatel e Ministério das Comunicações.

Tanto assim que a Telebrasil – entidade que as representa – já tratou de mandar carta à Casa Civil solicitando reunião e participação na definição das novas bases regulatórias, depois de perceberem que a atuação do ministro Hélio Costa em favor delas no ano passado não surtiu os efeitos que esperavam.

Redes irão integrar patrimônio

Não podemos ignorar o poderio econômico dessas empresas e a importância que tem para garantia da continuidade dos serviços. Todavia, não podemos ficar reféns dos interesses privados de concessionárias pouco comprometidas com o interesse público e com os consumidores. Temos razões suficientes para buscar mecanismos de proteção, uma vez que o país está submetido, há anos, aos preços abusivos praticados no mercado e ao péssimo e desrespeitoso atendimento que as concessionárias vêm dispensando aos brasileiros, como comprovam os históricos rankings de maus fornecedores divulgados pelas Promotorias de Defesa do Consumidor.

Vamos esperar que o governo, que agora está cumprindo seu papel de elaborador e executor de planos nacionais para o desenvolvimento econômico e social, nos termos do inc. IX do art. 21 da Constituição Federal, não ceda às pressões das concessionárias e aos interesses eleitorais e se mantenha firme no propósito que vem sendo externado por aqueles responsáveis pela condução da importante proposta de um Plano Nacional de Banda Larga, assegurando dois pilares fundamentais para o sucesso do projeto: a reativação da Telebras para atuar como gerenciadora da rede pública e a definição de regras para o provimento da banda larga de modo que o serviço possa ser prestado tanto no regime público quanto no regime privado, como autoriza a lei geral e já ocorre com a telefonia fixa contratada por meio de contratos de concessão e de autorização, respectivamente.

Desenvolvimento social e econômico

A inclusão do serviço de comunicação de dados no regime público é de importância fundamental, pois só nessas condições será possível a imposição de metas de universalização e continuidade e, principalmente, a garantia de que os investimentos públicos provenientes do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST e outros do BNDES serão revertidos para a União ao final dos contratos; ou seja, que, encerrados os contratos, as redes implantadas no bojo do novo Plano Nacional passarão a integrar o patrimônio do poder concedente.

Ou seja, caso não se inclua o serviço no regime público, haverá a apropriação de vultosos recursos públicos em benefício de empresas privadas, sem nenhuma garantia que a rede de dados mantenha sua exploração em benefício do interesse público.

Aliás, o Brasil já foi tungado na ocasião da privatização e depois dela com a inércia da Anatel em formular os contratos da rede de troncos como determina a LGT, em razão do que este valioso patrimônio público foi ilegalmente apropriado pela Embratel, Telefonica e Oi. Não podemos repetir o mesmo erro.

Só assim poderemos olhar o futuro com alguma esperança de que a inclusão digital ocorrerá para todos os brasileiros, pois as redes estratégicas para o desenvolvimento econômico e social integrarão o patrimônio público e estarão administradas com foco no desenvolvimento social e econômico no longo prazo.

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Advogada e coordenadora da Frente dos Consumidores de Telecomunicações, consultora da associação Pro Teste e ex-representante das entidades de defesa do consumidor no Conselho Consultivo da Anatel de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2009