O conceito de curadoria tem sido incorporado à rotina de produção jornalística impulsionado pela tecnologia digital. Em contexto como o vivenciado atualmente, com redações operando com muitos jornalistas trabalhando de casa diante da necessidade de isolamento em função da pandemia do COVID-19, é preciso resgatar a visão profissional sobre a curadoria.
Em uma modesta tentativa de definição, a curadoria digital aplicada no jornalismo trata-se do processo de construção de um texto informativo por meio da coleta de dados e declarações em outros canais, preservando os critérios jornalísticos nos processos de seleção das informações e de construção do texto, devidamente incluindo as referências às fontes consultadas e, preferencialmente, também os links para o conteúdo original.
Entende-se que ao mesmo tempo em que a internet ampliou o alcance à diferentes fontes, oficiais ou não, a rede contribuiu para substituir em determinados casos o trabalho de entrevista pela opção de coleta de informações em agências de notícias e em sites e redes sociais de órgãos públicos, empresas, personalidades e até mesmo de pessoas comuns.
Nesse sentido, a prática da curadoria é facilmente identificada em empresas jornalísticas de diferentes portes. Para citar um exemplo, temos a curadoria digital como prática recorrente no jornal nativo digital Nexo, que em 2019 foi indicado como um dos três melhores sites de notícias do mundo, sendo finalista do World Digital Media Awards, promovido pela Associação Mundial de Jornais.
Entre grandes reportagens com apuração tradicional, produção de conteúdo audiovisual e infográficos, é possível identificar no Nexo também matérias diárias que são resultado do processo de curadoria.
Nestes últimos casos, o profissional responsável pelo texto fez essencialmente pesquisas em fontes oficiais e redigiu a matéria contextualizando o assunto, lembrando o que já foi dito sobre o tema e, sempre, vale ressaltar, identificando a origem do material, incluindo o link para a página consultada, mesmo que isso signifique oferecer links para conteúdos de jornais concorrentes.
A curadoria é o processo central das newsletters jornalísticas, produto com oferta crescente nos últimos anos. Uma das pioneiras e mais populares é a newsletter do Canal Meio, que circula de segunda a sexta com resumo do noticiário nacional e internacional e nos sábados com edição temática. Cada newsletter traz resumos das notícias e o respectivo link para o conteúdo original.
Um ponto curioso é que a ferramenta usada para fazer a curadoria, batizada Monitor, é também disponibilizada para os assinantes pagantes em formato de aplicativo que permite pesquisas no conteúdo que está sendo publicado pela imprensa tradicional. Segundo informado na própria página do Canal Meio, o Monitor organiza notícias que vêm de diferentes fontes e usa um algoritmo para analisar sua viralidade nas redes sociais. “É um sistema imune a bots ou outras formas de forjar a popularidade de um link. Por um motivo simples: ele avalia o que é popular e foi distribuído nos perfis que nós selecionamos — são jornalistas, especialistas, gente que entende de cada área específica”.
Os dois exemplos citados, Nexo e Meio, são casos em que a curadoria digital é aplicada no jornalismo com a devida responsabilidade e gerando, sim, um conteúdo relevante para uma audiência interessada em acompanhar o noticiário nacional e internacional.
Conteúdo este que é oferecido de forma complementar às reportagens e matérias realizadas por meio da apuração tradicional, com base em entrevistas exclusivas e trabalho de campo, um modelo que faz toda a diferença e que é indispensável em uma rotina de produção jornalística em tempos de normalidade.
Mas é a partir destes bons exemplos citados de curadoria que precisamos resgatar o conceito no contexto atual. Ao cobrir a pandemia, a busca por fontes oficiais com credibilidade reconhecida é um pré-requisito básico. A devida identificação das fontes e, sempre que possível, a disponibilização dos links para os conteúdos originais, também devem ser práticas incorporadas ao processo. Pontos que, é de se esperar, são devidamente reconhecidos e valorizados quando temos um jornalista à frente do processo de curadoria.
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Alexandre Lenzi é jornalista e professor, doutor e mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, e autor do livro Inversão de papel: prioridade ao digital, um novo ciclo de inovação para jornais impressos, Editora Insular.