Sunday, 30 de June de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1294

Encontro na USP discute transformações do trabalho jornalístico com plataformas

(Foto: Divulgação)

O grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade (JDL), do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, promoveu, no dia 19 de junho, o seminário “Digitalização, Trabalho Jornalístico e Regulação”. O evento discutiu as transformações no universo do trabalho jornalístico frente às mudanças tecnológicas e econômicas das últimas décadas.

O encontro contou com a participação da professora Roseli Figaro, titular do Departamento de Comunicações e Artes (ECA), da USP e coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação e Trabalho (ECA-USP). Sua fala foi complementada com as participações das debatedoras Luciana Moherdaui, e Aianne Amado, pesquisadoras integrantes do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade. A mediação foi de Vitor Blotta, professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP.

A professora, que em sua trajetória de pesquisa vem se debruçando sobre a relação entre trabalho e o fenômeno da “plataformização” (é, atualmente, coordenadora do projeto de pesquisa Datificação da Atividade de Comunicação e Trabalho), iniciou sua fala com uma reflexão sobre os desafios da mediação em um universo comunicacional submetido a uma acelerada transformação infraestrutural. “A plataformização é um modelo de negócio que necessita de um insumo fundamental e esse insumo são os dados das pessoas”, apontou. “Estruturas institucionais, como essas plataformas, promovem forças pelas quais elas vão se movimentar e atuar”. 

A professora complementou lembrando de alguns dos fenômenos que, promovidos pela infraestrutura dessas plataformas, passam a ser, também, essenciais ao seu próprio funcionamento. “É necessária uma ‘desespecialização’ para a construção desse amplo leque de profissionais necessários a essas plataformas, que nos acostumamos a chamar de ‘produtores de conteúdo’”, explicou. Um fenômeno que a professora associa, também, a noções como a deslocalização do trabalho e à aceleração do tempo, com esses sendo geridos a partir de técnicas desenvolvidas por essas novas empresas de comunicação – um fenômeno ao qual ela dá o nome de  “gerenciamento algorítmico”. “A plataformização se definiu, hoje, como um novo modelo de empresa, que não pode ser definida pelo seu ramo ou pelo que produz. Há uma alteração nessa lógica econômica”.

Em seguida, Roseli Figaro tratou do fenômeno da “datificação”, apontando sua relação com esse novo universo tecnológico e econômico. “Podemos pensar que a datificação é a digitalização de tudo. E tudo que é digitalizável, o será, e irá para bancos de dados, e servirá de insumo para essas estruturas.” A importância do processamento e tratamento desses dados foi lembrada, em seguida, como um elemento permanente e essencial desse processo de “digitalização da vida”. O Brasil, lembrou Roseli, é um dos principais mercados globais nessa nova economia. “Esse mecanismo da plataformização e datificação é o que precisamos ensinar para a população. É necessário explicar como isso funciona, porque isso incide sobre a vida das pessoas em muitos aspectos.”

Os efeitos dessas transformações no universo da comunicação, e do jornalismo em especial, foram apontados a seguir. O papel do jornalista é, também, impactado nesse turbilhão. Processos de trabalho, de busca, apuração e produção da informação que, automatizados e movimentados por interesses comerciais estritos, se veem em um desafio quanto a seus aspectos éticos. “Vivemos uma transformação da empresa jornalística pela plataformização”, afirmou. Além disso, afirmou Roseli, há um impacto prático da expansão dessas plataformas no que diz respeito aos próprios instrumentos necessários ao trabalho jornalístico. Hoje, lembra a professora, há uma profunda dependência, entre jornalistas, das ferramentas oferecidas pelas plataformas. Um fenômeno que se estende às iniciativas de jornalismo que se propõem como novas e independentes.

“Verificamos que, no processo de plataformização do trabalho do jornalista, tivemos mudança no seu no perfil, que hoje é polivalente e flexível; ele não está apenas fotografando, fazendo reportagem, entrevistando, editando”, afirma a professora. “O jornalista hoje também produz conteúdo para diferentes canais, com lógicas que muitas vezes não têm a ver com o seu próprio periódico – então esse jornalista passa a se chamar ‘produtor de conteúdo’”.

Em seguida, a pesquisadora Luciana Moherdaui apontou a questão da organização da informação das redes sociais e seu impacto no discurso jornalístico e nas práticas da comunicação. A fala de Moherdaui foi complementada por Aianne Amado, que abordou os aspectos teóricos da relação entre técnica e trabalho e as recentes transformações vivenciadas por trabalhadoras e trabalhadores do jornalismo em seus hábitos e práticas profissionais.

Por fim, Rosali Figaro lembrou que as mudanças econômicas vividas pelo trabalho jornalístico têm efeitos muito reais no dia a dia desses profissionais. “É uma problemática não só ética, mas com impactos sobre questões do trabalho e de direitos.” E questionou. “O jornalismo está em crise ou as empresas jornalísticas estão em crise? É uma crise do modelo que conhecemos?” Uma pergunta cuja resposta tem impactos profundos. Afinal, lembra a professora, as transformações vividas pelo jornalismo apontam a mudanças que podem afetar “as estruturas da democracia construídas nos períodos recentes”.

O evento pode ser visto, na íntegra, no canal do Instituto de Estudos Avançados da USP no Youtube.

***

Tiago C. Soares é jornalista e doutor em História Econômica pela USP. É integrante do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade (ECA-IEA/USP), e pesquisador bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia Ciência), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).