A julgar pelo calendário de 2006 com dois semestres já pautados (no primeiro, a Copa do Mundo; no segundo, eleições majoritárias), a atividade jornalística terá um horizonte de ‘crescimento sustentado’. Não bastassem os acontecimentos mencionados, eis que a realidade brasileira, na sua já conhecida múltipla singularidade, não deu trégua sequer nesse período festivo no qual o jornalismo tende a viver uma espécie de entressafra.
O novo ano entrou em grande estilo na sua capacidade de gerar fatos jornalisticamente irrecusáveis e ainda com o requinte de um cardápio variado. Para não fugir ao padrão, o governo se encarregou de abastecer o noticiário. Houve de tudo. O elenco de ofertas dá a medida do quanto a estética do realismo mágico só poderia ter surgido abaixo da linha do Equador.
Sem muito respeitar a cronologia, tentemos um breve resumo. Jornais não desprezaram noticiar a insólita passagem de Ano-Novo que o ex-deputado José Dirceu teve num castelo, na França, em companhia de seu anfitrião, o escritor Paulo Coelho e seu dileto biógrafo, o escritor e jornalista, Fernando Morais. Naturalmente, será este o rosto da nova esquerda brasileira. Creio que as trajetórias de Paulo Coelho e José Dirceu têm tudo para um casamento feliz. Será que alguém entendeu a nova parceria?
Torrente de egos
Ao curioso fato acima citado, somou-se outro talvez ainda mais inusitado: a operação ‘tapa-buraco’. Os jornais se fartaram em divulgar a nova bravata, principalmente a partir do insólito pronunciamento do ministro dos Transportes, declarando que as obras não suportariam para além de um ano, se tanto. Que país é este? Embora o poeta já tenha, há muito tempo, formulado a pergunta, ela se mantém atualíssima. Será crível um governo deixar, por três anos, todas as principais rodovias do país em estado de calamidade, para, só então, em ritmo delirante, oferecer ‘remendos eleitoreiros’, com duração prevista para o restante de mandato? Resta ainda assinalar que o período para as obras é o mais desaconselhável, dadas as costumeiras fortes chuvas que, nessa época, ocorrem em diversas regiões do país. Bem, não ficam esquecidas também as verbas vultosas que não foram aplicadas pelos diferentes ministérios. Verbas disponíveis para cérebros inativos. Que lástima!
Obviamente, não se pode deixar de registrar a entrevista que o nobre presidente da República concedeu ao ‘Fantástico’, o que é eticamente um fato deplorável, em se tratando de uma emissora comercial. Quanto à rentabilidade jornalística da entrevista, não cabe maior comentário. Foi uma falação no estilo para lá de conhecido, sem que nada daquilo pudesse resultar de proveitoso ao cidadão brasileiro. Foi mais um ato de demonstração de prestígio da Rede Globo.
Para poucos dias de 2006, o naipe de ocorrências já estaria de boa dimensão. Considerando, porém, que o Brasil – volto a repetir – é pródigo na sua generosidade criativa, mais fatos seriam gerados. De novo, sob o patrocínio da esfera governamental, não é que o ministério da Cultura resolve comprar ‘peixe estragado’? Eu mesmo, no último artigo de 2005, havia destacado a entrevista de Ferreira Gullar à ‘Sabatina da Folha’. Julgava que, passado o momento, nada do teor ecoaria. Todavia, a tropical ‘mosca azul’ andou rondando os corredores do MinC, abrindo uma estéril celeuma. Pronto, abriram-se as comportas dos egos e sobre o país caiu a torrente de depoimentos, manifestos, solidariedade daqui e dali.
Tudo por nada. Um simples comentário do poeta a cujo conteúdo os jornais, na ocasião, deram tratamento tímido, foi o suficiente para mover discussões que giram em torno delas mesmas até chegarem à vacuidade absoluta. Ok! Todos que quiseram tiraram sua casquinha, sem entrar no mérito de ‘contra’ ou ‘a favor’ de. Quanto mais não seja, a coisa serviu para o cidadão se lembrar de que existe um ministério da Cultura, mesmo que cultura seja algo estranho nesse país de incultura audiovisual.
Para esfriar a água
Não poderia deixar de citar a bela lição de malandragem que o Congresso ensinou à população. Como ganhar-se dinheiro sem fazer nada? Férias remuneradas a peso de ouro! Ainda bem que a moralidade seria restituída com o banimento de Severino. Ao que parece, muitos haveriam de sair com ele.
Bem, para reinício, a temperatura dos fatos demonstrou ser maior que a dos termômetros. Agora, resta aguardar a pauta oficial (Copa e eleições). Um país sério jamais permitiria que, num mesmo ano, se desse a junção dos acontecimentos. Enquanto, lá pela segunda quinzena de março, não se aquecem os motores para a grande corrida em direção ao ‘hexa’, teremos, além do carnaval, a ‘emocionante e imperdível’ sexta versão do BBB. Oceano de asneiras está assegurado para boa parte da fiel platéia. O término da idiotice entronizada coincidirá com a avalanche de frenesi em direção à Alemanha. A garganta intrépida de Galvão Bueno fará os corações brasileiros palpitarem em ininterruptas ansiedades.
Para tentar esfriar um pouco a água, é bom lembrar que a última seleção, por duas vezes consecutivas, a ganhar a Copa, foi o Brasil, em 1962, no Chile. De lá em diante, por desígnios obscuros dos ‘deuses’, nunca mais o fato se repetiu. Será que o comentário insinua alguma coisa? Veremos…
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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor-titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso, Rio de Janeiro