Os americanos acham que não vão morrer sem aviso prévio. Homicídios, acidentes, terremotos ou mesmo o azar de engasgar com um osso de frango estão fora de cogitação. Talvez por isso, nos Estados Unidos, o assunto dos prontuários médicos dos presidenciáveis é um tema para as primeiras páginas.
O sigilo em relação às doenças é muitas vezes exigido pela classe política. Na recente campanha eleitoral americana, a pasta contendo as 1173 páginas que detalhavam as informações médicas do então candidato John McCain, por exemplo, só foi liberada para uma dúzia de repórteres, durante três horas e sem permissão para cópias. Na coletiva de imprensa para tratar do assunto, deixaram fora da lista de convidados até o New York Times – talvez porque o jornal tivesse um médico, Lawrence Altman, encarregado das matérias de saúde, segundo informou o próprio numa reportagem da Columbia Journalism Review.
Deste lado do mundo, nos últimos tempos as notícias sobre o estado de saúde do vice-presidente da República só fazem referência às internações e cirurgias. José Alencar, aliás, fez toda a sua carreira política lutando contra o câncer. ‘A única eleição que disputei antes do câncer, eu perdi’, disse, sinceramente, numa entrevista à Veja. Para muitos, ele é o modelo que os outros enfermos deveriam seguir.
Em sintonia
Como ser humano, desejo a pronta recuperação de José Alencar. Por ele, pela sua família, pelo exemplo que ele representa. Escrevo sem saber o que acontecerá amanhã com a vida dele, nem com a minha, nem a do leitor ou leitora destas linhas. Mas, como jornalista, não devo opinar nem desejar, mas fazer perguntas. Por que a discussão sobre se uma pessoa doente deve ou não trabalhar como vice-presidente da República não entra na pauta da mídia brasileira? Uma das poucas referências que encontrei, no Globo, foi a nota sob o título ‘Trabalho diário ajuda ao vice-presidente a superar o câncer’.
Na última semana de janeiro, estive atenta aos comentários dos leitores de uma outra nota, esta publicada na Folha Online, sobre o estado de saúde de Alencar. Na quarta-feira (28/1), havia ali 48 comentários. Deixando de lado os muitos desnorteados, os que aproveitavam o espaço virtual para fazer críticas desencontradas, ou aquele sujeito que sugeria trocar a quimioterapia pelo extrato de limão, ou ainda o enigmático internauta que afirmava ‘eu sei que você é o que você fez’, apenas um leitor pedia para o vice-presidente se licenciar e cargo, e outro, para que ele se afastasse da vida política.
De resto, sete comentários parabenizavam Alencar pela sua coragem, três torciam pela sua recuperação, quatro pediam para que ele continue a viver porque o Brasil precisa muito dele, e seis torciam pelo vice-presidente, mas aproveitavam para reivindicar melhorias no tratamento médico dos cidadãos comuns.
Mesmo sem qualquer precisão estatística, não surpreende que os que pediam a ajuda divina (seis) superavam em muito aquele único leitor que dizia confiar na ciência de ponta. O povo parece estar em sintonia com o presidente Lula, quando este assegurou que ‘a mão de Deus está cada vez mais presente nas cirurgias do Alencar’.
Fé e doença não são assuntos de debate. Deveriam?
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Jornalista