Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As ruas e o que há nos jornais

Não é simples pensar sobre a sociedade brasileira das últimas décadas. Menos ainda pela conjuntura midiática. A percepção do Brasil como uma ilha tropical povoada, em grande parte, por pessoas alheias a qualquer tipo de questões sociais e políticas é recorrente e ignorante, na mesma proporção. Existem neste país, claro, pessoas dispostas a pensá-lo em sua diversidade e peculiaridades. A grande imprensa, ou seja, aqueles veículos que possuem alcance nacional, que tem suas produções jornalísticas reproduzidas e comentadas em mídias locais, não parece estar no grupo dos segmentos da sociedade propensos a contribuir com o desenvolvimento social do Brasil.

Os produtos jornalísticos destas empresas, controladas por grupos financeiros poderosos e sustentadas pela publicidade privada e estatal, possuem formas de apreender o real muito peculiares. Muitas vezes, o discurso jornalístico produzido pelos veículos de grande porte foge à expectativa do próprio público que almejam.

Os jornais populares do Rio de Janeiro são descartáveis, se escondem na “prestação de serviços” para praticar um jornalismo pobre na qualidade do texto e da informação, inexistente em análises diretas e construtivas. As publicações pretensamente voltadas à classe média e aos ricos omitem-se sem pudores diante de episódios marcantes na vida política do país e de outros dos principais países do mundo.

Descontentamento óbvio

Em 17 de setembro deste ano, um sábado, com quase 48 horas de atraso, publicaram-se relatos meramente noticiosos sobre a anulação pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) de provas obtidas pela Polícia Federal contra membros da oligarquia Sarney por falta de fundamentação legal nos três maiores jornais do país e no telejornal de maior audiência. A operação Faktor, iniciada em 2007, foi pelo ralo, como disparou em editorial no domingo seguinte o jornal O Estado de S. Paulo. Este diário está impossibilitado, sob pena de multa, de veicular em quaisquer circunstâncias notícias sobre Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, por ordem do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Porém, foi o único a escapar da padronização dos grandes jornais brasileiros ao expor suas impressões em editorial e produzir extensas reportagens interpretativas.

A Folha de S.Paulo, que há poucos meses contava com José Sarney como um de seus colunistas, e O Globo, que ainda conta com o presidente do Senado em seu quadro de colunistas e colaboradores, se contentaram com relatos tão breves quanto constrangidos. Este último empreende uma patética campanha “contra a corrupção” a partir das redes sociais. Aproveita o carisma e a aceitação em grande parte de seu público de figuras presentes no entretenimento midiático para conquistar corações. Esta campanha, pretensamente inspirada na primavera árabe, convoca o povo às ruas numa corrente moral para ajudar a “limpar” o governo federal do que existe de mais atrasado no país.

Há quem diga, sobre a última vez que jornais, principalmente O Globo, incentivaram a população a “protestar” pelas ruas, que o resultado foi 21 anos de ditadura. É obvio o descontentamento da principal empresa jornalística do país com o partido governista eleito democraticamente nas últimas três eleições.

Formas espontâneas e explícitas

Ao contrário do que sugere O Globo aos seus seguidores em redes sociais, as populações de Egito e Tunísia, principalmente, foram às ruas com ideias políticas bem definidas e prontas para serem reivindicadas. Conseguiram parte de seus anseios ao derrubar os respectivos ditadores por terem a percepção do que brecavam seus sonhos como indivíduos e como sociedade. Os jovens madrilenhos, acampados na Praça do Sol em maio deste ano, e nova-iorquinos, em vigília frente à Bolsa de Nova Iorque, exigem reformas pontuais no sistema econômico de seus países para o incremento do sistema de bem-estar social, atravancado por políticas econômicas que priorizaram a especulação financeira, rendendo milhões às principais empresas multinacionais.

A mídia brasileira cobriu as revoltas populares no norte da África num tom moralista, pelo absurdo de um país ser governado por um tirano pré-histórico e uma população esgotada e simpática aos valores ocidentais de democracia. Poucos foram os esforços de contextualizar social, política e culturalmente toda aquela incrível movimentação de pessoas. Quanto aos jovens europeus, principalmente espanhóis, e estadunidenses, nossa mídia preferiu se passar por cega ao oferecer reportagens e análises abrangentes.

A população brasileira precisa, sim, ir às ruas e mostrar seus pontos de vista. De maneira organizada, tanto intelectual quanto fisicamente, desprendida de interesses privados, principalmente dos midiáticos, e sem a velha e reacionária organização partidária. Sem mais, ainda são saudáveis à maturação política da sociedade formas espontâneas e explícitas de manifestações.

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[Igor Ferraz é estudante de Comunicação Social, Rio de Janeiro, RJ]