Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Notas sobre um livro

Não há nenhum motivo para que a imprensa não noticie e não comente o lançamento do livro A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Júnior, como não havia para que não noticiasse ou comentasse o livro O Chefe, de Ivo Patarra. Não há motivo, portanto, para que só a publicação de notícia sobre um deles seja exigida, enquanto o outro continua ignorado.

1. Uma das informações de maior impacto do livro é a acusação de que Ricardo Sérgio de Oliveira, homem forte das privatizações, ex-tesoureiro da campanha de FHC e ligado a José Serra, teria recebido propina de 15 milhões de dólares de Benjamin Steinbruch para facilitar a vitória de seu consórcio no leilão da Vale. A acusação foi publicada em maio de 2002 pela revista Veja, paradoxalmente a mesma que é acusada hoje de falta de credibilidade pelas acusações contra ex-ministros demitidos pelo atual governo. A informação sobre suposta propina que teria sido paga por Carlos Jereissatti na formação do consórcio das teles que arrematou a Telemar também foi publicada pela Veja e por vários jornais e revistas. O que comprova que a imprensa sempre cumpriu o seu papel e só passou a ser contestada e chamada de “golpista” quando o protagonista da notícia era alguém do partido errado.

2. As considerações do autor do livro sobre todo o processo de privatização representam as razões de um dos lados do debate ideológico que contrapõe em todo o mundo o dirigismo estatal ao modelo liberal de Estado mínimo. O próprio uso da palavra “privataria” reflete uma opção ideológica. Não há no livro referência à sentença do juiz da 17a Vara Federal sobre a licitude do processo de privatização da Telebrás no caso da denúncia do Ministério Público Federal contra Luiz Carlos Mendonça de Barros e outros no famoso episódio do “limite da irresponsabilidade”. O juiz absolveu os acusados, dizendo que eles defenderam o interesse do Estado (estimulando a criação de um consórcio que aumentaria o preço mínimo do leilão) e não se locupletaram ou beneficiaram pessoalmente de suas ações.

Mais calor do que luz

3. O emaranhado de documentos copiados dos arquivos públicos da Junta Comercial, mostrando inextrincáveis criações, extinções e multiplicações de empresas, mudanças de razão social, saídas e entradas de sócios, mudanças de cargos, movimentações enigmáticas em paraísos fiscais, dão ao livro a solene impressão de uma farta “documentação”, mas faltou um editor ou um especialista em finanças para explicar o que significa cada uma dessas coisas e qual é a relação entre elas. Ficamos sabendo que José Serra tem uma filha que era sócia de Veronica Dantas, irmã do famigerado Daniel (o que em si não chega a constituir crime) e que tem um “primo político” (casado com uma prima) e um genro aparentemente muito ativos em tenebrosas transações. Todos eles, supostamente, abriam, fechavam e multiplicavam empresas para lavar dinheiro e internalizá-lo legalmente no país. Mas de onde vinha esse dinheiro? Há uma vasta coleção de divagações, suposições, insinuações, ilações, que levam a uma conclusão que quer parecer óbvia porém não é comprovada: seria dinheiro desviado das privatizações.

Não há prova nem indício do chamado “crime antecedente”, que a lei exige para a tipificação do delito da lavagem de dinheiro. O livro virou uma peça da guerrilha política que ocorre em algumas rotas do bas fond das redes sociais e, até prova em contrário, está destinado a provocar mais calor do que luz.

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[Sandro Vaia é jornalista]