Um dos jornalistas esportivos de maior credibilidade no Brasil, o paulistano Juca Kfouri é um inflamado informador sobre a corrupção no esporte brasileiro. Formado em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), pertenceu ao Partido Comunista Brasileiro, militou na Aliança Libertadora Nacional e trabalhou nos jornais O Globo, na revista Placar, na TV Globo e TV Cultura, entre outras importantes redações. Atualmente, está no canal ESPN-Brasil, na rádio CBN e mantém o blogdojuca.uol.com.br e é colunista da Folha de S.Paulo.
O TREM, que segue a linha, hoje quase exótica, de só entrevistar quem tem o que dizer, puxou papo com ele. Juca Kfouri revela que tem vontade de ir embora do Brasil, explica por que não o faz e responde a indagações como esta: “O que faz mais mal ao país: a emissora da família Marinho, na qual o senhor trabalhou, o narcotráfico, os políticos corruptos ou a ignorância da população?”
Perguntado sobre o motivo por que os times de Minas Gerais, Nordeste e Sul são sempre prejudicados em jogos decisivos contra paulistas e cariocas, foi curtinho, mas ao busílis: “Porque os rios correm para o mar”.
A seguir, com exclusividade, JK.
Pesando tudo, o futebol mais ajuda o Brasil ou mais atrapalha o país?
Juca Kfouri – Nem ajuda, nem atrapalha. Só o faz mais feliz.
Clubes do exterior compram jogadores brasileiros ainda nas fraldas, empobrecendo muito nosso esporte. Como evitar essa evasão absurda de pé-de-obra?
J.K. – Somos exportadores de pé-de-obra porque ainda não entendemos que devemos exportar o espetáculo, não o artista. Simples assim.
Você leu Quando é Dia de Futebol, de Carlos Drummond de Andrade? Quem são os escritores que mais bem escreveram sobre o futebol brasileiro?
J.K. – Li, é claro. Carlos Drummond de Andrade é um deles. Paulo Mendes Campos é outro. Para ficar nos mineiros, por mais cariocas que pareçam, Estrela Solitária, de Ruy Castro [sobre a trajetória do jogador Mané Garrincha], é um dos melhores livros sobre futebol escritos no Brasil.
Graciliano Ramos escreveu em jornal que o futebol não teria sucesso no Brasil e defendeu que o brasileiro praticasse a capoeira e outros esportes mais nossos. O futebol é bem retratado pela literatura brasileira ou é tratado como tema menor por nossos escritores.
J.K. – Na literatura propriamente dita, ainda não tem o tratamento que merece. Mas hoje em dia temos uma biblioteca futebolística pra lá de respeitável, de excelência mesmo. E se Graciliano deu uma bola fora, fez por ter crédito para dar mil.
O que achou de a Academia Brasileira de Letras – casa mais estéril que útero de mula, segundo o polemista Fernando Jorge, colaborador dO TREM– homenagear o jogador Ronaldinho Gaúcho?
J.K. – Uma demagogia barata de um presidente da ABL [Marcos Vilaça] que adora bajular cartolas nefastos e que prometeu, e jamais entregou, quando membro do Tribunal de Contas da União, um parecer final demolidor sobre os Jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007.
Como a rivalidade no Brasil é acirrada, seria espetacular um campeonato de seleções estaduais, com esta condição: o jogador teria de defender o estado no qual nasceu. Assim, o futebol seria descentralizado dos principais eixos. Formar-se-iam grandes seleções no Nordeste, por exemplo. Para tanto, teríamos de ter organização e calendário muito bem planejado. O senhor considera interessante um campeonato assim?
J.K. – Não mais, infelizmente. O espaço tem de ser dos clubes, que investem demais para viverem sendo desfalcados por seleções.
No Brasil, se um time vai mal em três ou quatro partidas, a cobrança por bons resultados é imediata. Ou o time começa a vencer ou o treinador, sob protestos intensos, perde o cargo. Se igual cobrança fosse feita na política, que Brasil seríamos?
J.K. – Ah, se protestássemos diante dos palácios, como fazemos nos clubes de futebol, o país seria quase o que sonhamos que seja.
Por que os times de Minas Gerais, Sul e Nordeste, quando disputam partidas decisivas contra os do Rio de Janeiro e São Paulo, sempre são prejudicados por árbitros e auxiliares. Não há na história sequer um campeonato vencido por clubes de fora do Rio e São Paulo com erro capital do trio de arbitragem.
J.K. – Porque os rios correm para o mar…
Se o futebol adotasse a regra do futebol de salão, em que o jogador pode entrar na disputa e sair quantas vezes o treinador quiser, a durabilidade de um atleta seria ampliada para até uns 45 ou 50 anos. Temos craques com mais de 40 anos, mas que não jogam mais porque não suportam a correria do futebol moderno. Imagine, por exemplo, poder ter no banco um Zico cinquentão só para cobrar falta, ou um Éder. O que pensa dessa proposta, para privilegiar a habilidade e estender a carreira dos gênios?
J.K. – Considero uma boa ideia, dessas que o conservadorismo do futebol jamais adotará.
Copa do Mundo no Brasil: já calculou a conta da corrupção, do superfaturamento, da desonestidade?
J.K. – Nossos netos a pagarão.
Em todos esses anos de estrada jornalística, qual foi a melhor história que presenciou numa redação?
J.K. – Estava na redação da Globo em Barcelona, esperando com todos para botar no ar a chegada da tocha olímpica, que vinha de navio, na cidade. Eis que de repente um dos produtores escalados para vigiar o monitor que trazia imagens do porto catalão grita da sala de edição: “A xota está chegando, a xota está chegando!”. Ao cabo da gargalhada geral e irrestrita, ouviu-se a voz tranquila e sarcástica do saudoso Hedyl Valle Júnior: “Calma, pessoal, calma…”
Você trabalhou na TV Globo, conhece-a por dentro. O que faz mais mal ao Brasil: a emissora da família Marinho, o narcotráfico, os políticos corruptos ou a ignorância da população?
J.K. – A ignorância da população que elege os políticos que elege, que alimenta o tráfico e que confere hegemonias a quem não deve.
Por favor, fale sobre este assunto: a importância para um jornalista de que ele seja respeitado, tenha credibilidade.
J.K. – É só o que vale. O resto, como já disse o escritor Millôr Fernandes, é armazém de secos e molhados.
O senhor é conhecido pelo empenho jornalístico em favor da ética no esporte e na política. Ao jornal O Pasquim21, em 2002, disse que o Brasil é invivível. Já teve vontade de largar este torrão e morar em um país com menor grau de canalhice?
J.K. – Vontade já tive sim, mas tinha os filhos e era difícil. A vontade se mantém, mas agora tem as netas e ficou impossível.
Digamos que inventaram um equipamento pelo qual é possível falar e ser escutado simultaneamente por todos os brasileiros. Se fosse usar essa estrovenga para falar duas importantes verdades sobre o Brasil, o que escutaríamos?
J.K. – Que não temos, felizmente, o monopólio da corrupção, mas parecemos ter, infelizmente, o da impunidade.
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[Marcos Caldeira Mendonça é editor de O TREM Itabirano]