Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Günter Grass alimenta a direita israelense

O ministro do Interior de Israel, Eli Yishai, que não é considerado um especialista em literatura germânica, quer proibir Günter Grass de visitar Israel, em resposta ao poema “O que deve ser dito”, publicado pelo escritor. Se Grass “pretende continuar divulgando seu trabalho pervertido e falso ele deve ir ao Irã, onde encontrará um público simpatizante”, afirmou o ministro. Essa é uma medida política que não terá, absolutamente, nenhum efeito prático. Grass está com 84 anos e não pretende visitar Israel. Já tomou essa decisão há 40 anos, quando foi recebido com tomates durante uma visita ao país.

Mas existe uma outra razão mais perturbadora indicando por que essa proibição é absurda. Não é tarefa de políticos israelenses se queixar de declarações feitas por artistas e escritores e usar essas declarações como justificativa para uma ação política. É uma tentativa de censura que, como resultado, pode levar intelectuais de outros países a pensar duas vezes, no futuro, antes de criticar Israel. Há alguns anos, o regente de nacionalidade argentina e israelense Daniel Barenboim viu-se numa situação semelhante. Depois que Barenboim, que tem a reputação de ser pró-palestino, regeu Richard Wagner em Israel, os políticos do país exigiram que o maestro fosse declarado persona non grata.

Mas o lugar mais adequado para responder a declarações e atos de artistas e escritores, não importa o quão controvertida seja a declaração ou o trabalho apresentado, é nas páginas de cultura de um jornal – não na arena política. Infelizmente, a atitude do ministro do Interior não é inusitada em se tratando de Israel. O país gosta de isolar-se e render-se à ideia de que está cercado de inimigos. A doutrina do governo é no sentido de que Israel precisa se defender contra seus inimigos. E deve ser uma “resposta sionista” aos “antissemitas”. Esse é um reflexo israelense.

Críticas são automaticamente identificadas ao antissemitismo

E, assim, a constante busca para confirmar que o mundo inteiro está contra nós mais uma vez teve sucesso. Com seu poema “O que deve ser dito”, Günter Grass ofereceu aos políticos israelenses a desculpa perfeita. E a reação do governo mostra que grande desserviço Grass prestou à causa da paz. Se admitirmos que ele realmente quis emitir um alerta contra a guerra nuclear, o tiro saiu pela culatra. Grass ajudou a direita nacionalista israelense ao atacar Israel, e não o Irã, como o responsável potencial pela pior situação que possa ocorrer. E ajudou também o governo a desviar a atenção da questão palestina, oferecendo a Israel a oportunidade de se colocar como vítima – uma vítima do Irã e de Günter Grass.

Grass é um antissemita? Esse é um assunto complexo que exige respostas mais complexas. Naturalmente ele não é um antissemita furioso que deseja expulsar ou assassinar judeus. Mas o antissemitismo é muito mais do que isso. E o escritor usa imagens e mitos com vestígios de antissemitismo. A maneira com que faz julgamentos generalizados sobre Israel nos lembra a maneira como julgamentos generalizados foram – e são – feitos sobre os judeus. Seu poema “O que deve ser dito” poderia facilmente levar o título “Israel é a nossa desgraça”.

O historiador Heinrich von Treitschke provocou a chamada “Polêmica de Berlim sobre o antissemitismo”, em 1879, quando usou a frase “os judeus são nossa desgraça”, que foi estampada na página de capa de cada edição do jornal nazista Der Stürmer. Grass está num terreno muito perigoso – é preciso que isso seja dito, mas no contexto de uma discussão acadêmica civilizada. Ele não deve ser injuriado como base para uma ação política. Tem de ser possível continuar criticando as políticas de Israel e a acusação de antissemitismo não pode ser usada erroneamente para proteger Israel contra essas críticas.

E em que posição ficamos nós, israelenses, que não concordamos com as ações do governo, se as críticas a Israel são automaticamente identificadas como antissemitismo?

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Academia Sueca não cogita tirar Nobel de Grass após polêmica com Israel

Reproduzido G1/Agencia EFE, 10/4/2012

A Academia Sueca afirmou nesta terça-feira (10/04) que não pensa em retirar o Nobel de Literatura do escritor alemão Günter Grass após a polêmica suscitada em Israel por um poema no qual criticava o potencial atômico desse país e pelo qual foi acusado de antissemitismo. “Não há nem haverá nenhuma discussão na Academia sobre retirar-lhe o prêmio”, declarou hoje em seu blog Peter Eglund, secretário permanente da instituição que outorga anualmente o Nobel de Literatura. Englund ressaltou que a decisão de premiar Grass em 1999 se baseou “em seus méritos literários e apenas nisso, algo que certamente pode ser aplicado a todos os ganhadores”.

O jornal alemão Süddeutsche Zeitung e meios internacionais divulgaram na quarta-feira passada o poema “Was gesagt werden muss” (“O que é preciso dizer”), no qual Grass afirma que o programa atômico de Israel é um perigo para a “frágil paz mundial” e ressalta que um ataque contra o Irã poderia levar ao aniquilamento de sua população. O escritor rompeu assim um tabu na tradicional cautela da Alemanha que, por razões de responsabilidade histórica, evita qualquer crítica a Israel.

Após a publicação do poema, o vice-primeiro-ministro israelense, Eli Yishai, declarou Grass persona non grata em seu país e respaldou sua decisão com o argumento que o escritor tinha vestido o uniforme das SS (polícia nazista). Em Israel chegou a pedir-se, além disso, que lhe retirassem o Nobel de Literatura por suposto antissemitismo.

Reação exagerada e populista

Grass, de 84 anos, reconheceu em 2005 ter servido, aos 17 anos e durante nove meses, nas Waffen-SS, uma confissão tardia que nesse momento suscitou já uma grande polêmica. Ao longo de boa parte de sua carreira, Grass tinha se comportado como uma espécie de voz da consciência frente ao passado nazista de políticos e intelectuais.

O poema suscitou na Alemanha críticas de grande parte da classe política do país e também do âmbito intelectual e literário. No entanto, a dura reação do governo israelense foi qualificada de exagerada e até populista, tanto na Alemanha como em Israel, após o que começaram a surgir apoios ao escritor.

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[Moshe Zimmermann é historiador e escritor israelense]