As histórias estão sendo contadas por diferentes agentes na sociedade há milhares de anos, desde o surgimento do primeiro homem na Terra, possivelmente. A partir delas, o mundo vai ganhando contornos e formando identidades em diferentes regiões, cada qual com suas características e sua comunicação mediada. Com o passar do tempo e a inserção das novas tecnologias da informação, a sociedade passa fazer parte de um universo que se encolhe no espaço e tempo – um tema já repetido com insistência. O jornalismo passa a ser fundamental nas trocas comunicativas, que colocam todos numa aldeia, de maneira que se tornam possíveis relatos rápidos e imediatos.
Neste processo de globalização, que depende de comunicação e de mediações sociais com reflexo no econômico, a configuração de matrizes de pensamento vai ganhando forma, como resultado de uma sociedade que convive numa relação conflituosa e insuperável, entre dominantes e dominados, antes discursivamente – depois, não nesta ordem, vem o econômico, certamente. No meio de tantos relatos, alguns autoritariamente insistem em predominar, apesar da diversidade de pensamento e reflexões, associados aos diferentes modos de vida e cultura que fazem parte de comunidades existentes de norte a sul do terreno global.
Somente no Brasil é possível conviver com diversidades culturais nas várias regiões. Cada qual com os seus agentes e ideias endógenas, mas notoriamente imbricadas, em um processo comunicativo interno. Na realidade, se esta análise faz sentido, não existe uma forma de relato e um único filtro para mediações, mas um conjunto de comunicadores e de mídias – mais hoje do que antes. Entretanto, pode-se afirmar: há uma ordem de pensamento que cinge a tessitura que liga a todos.
A sobrevivência em questão
O jornalismo não é sem propósito e está longe de ser neutro, com capacidade para usar quando quiser da objetividade, como um mecanismo à mão. Este mundo em questão é de quem comunica mais e para mais pessoas, com potencialidade. A comunicação local tem menos fluxo do que aquela que atravessa fronteiras e imaginários. A dominação está na capacidade de apresentar relatos, conforme as prerrogativas culturais e de senso comum, onde a maioria se encontra. As trocas não são justas; pertencer ao mundo significa abrir mão de particularidades, principalmente quando se quer hegemônico.
Desta forma surge a pergunta inusitada em tempos de uma comunicação para a ética de Veja, Torres e Cachoeiras: quem tem o direito de falar? A comunicação realmente é democrática nos seus princípios? A pessoa que se expressa está imune às suas relações de pertencimento a grupos? O jornalista, um profissional não-liberal, de fato, está mais para a comunidade que pertence, no qual há conceitos e preconceitos, e usa de suas relações comunitárias para formar opinião, de maneira polifônica? A questão é delicada, ou mesmo ameaçadora, para a definição de uma comunicação democrática.
Talvez tenha-se demorado demasiadamente para reconhecer que a grande mídia gera fluxos de ideias cujos princípios precisam de meios para influenciar e organizar as culturas, que conjuntamente têm multiplicidades de vozes e comportamento. O funcionalismo norte-americano não é novidade no campo teórico do jornalismo. A questão pode estar em entender que, resguardado as características dos meios, o discurso não é simplesmente de quem fala e deposita a assinatura. É fluído e está em movimento constante, o que pressupõe enfrentamentos para manutenção e ampliação de domínio. Ademais, conforme a pressão, há adequação discursiva, de tal forma que, na torrente aceita politicamente, as denúncias são feitas até mesmo por aqueles que as reconhecem; afinal, está em questão a sobrevivência. Neste sentido, agentes perdem seu direito de fala momentaneamente para logo em seguida tomarem o seu lugar. Vale repetir, a comunicação é viva e faz parte de um mundo com diferenças.
Democracia e justiça social
Assim, não seria absurdo conjecturar que há uma matriz discursiva que percorre o sistema, por vezes refutada, desconsiderada e aceita, finalmente. Os efeitos, entretanto, aparecem ao longo do tempo, de forma que, descobertos, iniciam-se do zero para uma outra forma de relatos, que segue uma determinada visão de mundo. Como exemplo, a rivalidade entre capitalismo e comunismo, a qual gerou discursos que deram tessitura à histórias de ambos os lados. Na torrente, cada mídia defende o seu lugar.
Não há dúvida a quem representa determinados veículos de comunicação no Brasil pós-moderno, como se atesta as denúncias envolvendo a privatização da política e o discurso de determinados veículos de comunicação, de perspectiva liberalizante. A questão não cessará. Precisamos entender o quanto as novas mídias potencialmente permitem a polifonia, de tal forma que as histórias desconhecidas (não hegemônicas), que fazem parte de realidades outras, possam aparecer, impedindo as tentativas de manipulação do imaginário, com discursos não-ditos e interditados – eis o agendamento e a espiral do silêncio.
Um raciocínio que faz sentido possivelmente seria o de incluir nas grades curriculares das escolas disciplinas sobre mídias, fontes, histórias e realidade. O conhecimento, que exige comunicação, é o lugar da democracia e justiça social, para a inexistência de Torres ao lado de Cachoeiras no paraíso, de uma ordem discursiva sistêmica global.
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[Antonio S. Silva é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, doutorando em Jornalismo pela UnB e professor]