Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O 1º de maio e a imprensa brasileira

1º de maio é o Dia do Trabalho. A escolha da data não foi por acaso. Em 1886, no primeiro dia do mês de maio, milhares de trabalhadores da cidade de Chicago iniciaram uma grande greve geral que foi brutalmente repelida pela polícia estadunidense. Três anos após os acontecimentos de Chicago, durante a II Internacional Socialista, foi criado, em homenagem aos trabalhadores mortos pela ação policial, o Dia Mundial do Trabalho, que seria comemorado em 1º de maio de cada ano. Desde então, a data é uma excelente oportunidade para refletir sobre as principais conquistas e reivindicações do proletariado mundial.

Neste ano, a cobertura da imprensa brasileira do Dia do Trabalho foi demasiadamente inusitada. Sobre o 1º de maio no Brasil, a mídia hegemônica relatou apenas as comemorações promovidas pelas centrais sindicais. Já em relação aos acontecimentos no exterior, os destaques foram os grandes protestos de trabalhadores. As quatro maiores emissoras do país – Globo, Record, SBT e Bandeirantes – apresentaram, em seus respectivos noticiários, as manifestações de trabalhadores realizadas na Europa, Estados Unidos, Bolívia e Chile. “O feriado de 1º de maio foi marcado por protestos em quase toda a Europa. Um contraste grande com a situação, pelo menos dos festejos, aqui no Brasil. Os manifestantes europeus reclamaram das medidas de arrocho contra a crise econômica”, disse Ricardo Boechat, no Jornal da Band. “Um em cada dez europeus está desempregado. Isso ajuda a explicar porque o 1º de maio teve tantos protestos por lá”, noticiou o Jornal da Record. Por outro lado, o Jornal Nacional destacou os protestos nos Estados Unidos: “Americanos não comemoram o dia do trabalho hoje [1/5]. Mesmo assim, a terça-feira foi marcada por manifestações. Na Califórnia houve protestos em várias cidades. Em Oakland, ativistas interromperam o trânsito. Em São Francisco, ferroviários paralisaram parcialmente as atividades, pedindo maiores salários. Em Seattle, estado de Washington, alguns manifestantes quebraram vitrines de lojas.”

A vaia do líder religioso

Em contrapartida, sobre o Dia do Trabalho no Brasil, as grandes emissoras do país limitaram-se à cobertura dos eventos que aconteceram na Praça Campo de Bagatelle (organizado pela Força Sindical), no Vale do Anhangabaú (organizado pela CUT) e na Praça da Apoteose (organizado por centrais sindicais cariocas). Na Rede Globo, a cobertura do 1º de maio foi discreta. O Jornal Hoje mencionou as principais atrações musicais e gastronômicas das festas organizadas pelas centrais sindicais na capital paulista e o Jornal Nacional destacou um show realizado na Praça da Apoteose, no sambódromo carioca. Não obstante, as emissoras de Silvio Santos e de Edir Macedo apresentaram coberturas semelhantes à da emissora da família Marinho. “Sorteio de prêmios e show de música popular marcaram o feriadão de 1º de maio em São Paulo”, afirmou Joseval Peixoto noSBT Brasil. “Festas com música ao vivo, sorteios e churrascos marcaram o Dia do Trabalho em todo país”, anunciou a apresentadora do Jornal da Record, Ana Paula Padrão.

Aproveitando o ensejo, o noticiário da Rede Record também registrou a grande vaia recebida pelo líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago (famoso “concorrente” de Edir Macedo), durante a comemoração organizada pela Força Sindical. “E a você que vaiou sem me conhecer e sem conhecer este trabalho, que Deus abençoe você em Nome de Jesus”, disse, constrangido, o líder religioso. “O destaque negativo dessa festa toda [relacionado aos festejos do Dia do Trabalho] foi um momento de constrangimento causado pela presença do líder religioso Valdemiro Santiago”, asseverou o âncora Eduardo Ribeiro. Curiosamente, a participação do líder da Igreja Mundial do Poder de Deus no evento da Praça Campo de Bagatelle recebeu outro enfoque no Jornal da Noite, da Rede Bandeirantes. Em nenhum momento foi mencionado que Valdemiro Santiago havia sido vaiado pelo público.

Perda de conteúdo e simbolismo

Em suma, se formos levar em consideração a cobertura da grande mídia brasileira do 1º de maio, concluímos que enquanto os trabalhadores europeus, estadunidenses, bolivianos e chilenos possuem péssimas condições de vida, no Brasil os trabalhadores vivem demasiadamente bem, pois por aqui não há protestos, só comemorações. Nada mais falacioso. Também houve protestos no Brasil. Contudo, não foram os grandes meios de comunicação que noticiaram, mas a mídia alternativa. No Centro Trasmontano, na região central de São Paulo, aconteceu um grande ato nacional de 1°de maio que reuniu aproximadamente mil pessoas. No ato, foi levantado um programa de defesa das reivindicações dos trabalhadores, dos estudantes, dos sem-terra, das mulheres, dos negros e da luta pelo fim da exploração. Ainda na capital paulista, a CSP-Conlutas promoveu uma grande passeata que reuniu cerca de duas mil pessoas. Depois de um breve ato político, os manifestantes marcharam pela Avenida Paulista e desceram a Rua da Consolação, onde finalizaram o evento em uma igreja. Já em Teresina, professores das redes municipal e estadual de ensino, em greve desde o início do ano, realizaram um ato de protesto em frente ao Palácio de Karnak (sede do governo do Piauí). Como era de se esperar, estes acontecimentos foram escamoteados pela mídia hegemônica.

Evidentemente não se pretende aqui fazer uma campanha contra as atrações musicais direcionadas para o grande público. A população tem o direito de se divertir. No entanto, associar uma data tão significativa como o 1º de maio exclusivamente a shows de artistas popularescos, como fez a grande imprensa brasileira, é algo que só vem contribuir para o processo de alienação da classe trabalhadora. Como bem lembrou o jornalista Celso Lungaretti, em artigo publicado no site Mídia Independente, “chocante é a perda de conteúdo e simbolismo do Dia do Trabalho. [No Brasil] o 1º de maio institucionalizou-se e definhou. As centrais sindicais só conseguem público para suas festas contratando artistas famosos e sorteando carros ou casas”. Sendo assim, é preciso resgatar o significado original da data e apontar que, não apenas no exterior, mas também no Brasil, os trabalhadores não estão satisfeitos com as suas condições de vida.

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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG]