“Os aeroportos e os aviões viraram um grande churrasco na laje. O futuro do mundo é ser brega”. O que não faltam são afirmações desse teor no novo livro do filósofo Luiz Felipe Pondé, Guia politicamente incorreto da filosofia (Ed. Leya). A irreverência tem um alvo preciso: o fenômeno do politicamente correto, ironicamente apelidado pelo autor de “praga PC”.
Em que consiste essa praga? Trata-se, segundo Pondé, de uma hipocrisia social, “um modo totalitário de destruir o pensamento público e a criação artística” disfarçado na ideia de salvação do mundo, tendo como pressuposto a igualdade entre as pessoas. Mas a experiência histórica – e a própria teoria da seleção natural – mostraria o contrário: os homens não são iguais e os melhores sempre carregaram a humanidade nas costas.
Pondé toma como referência as ideias de filósofos e pensadores de diferentes épocas e orientações para esmiuçar, no livro, os vários aspectos da “praga PC”. Atinge, assim, seus focos mais renitentes. A religião é um deles. “Deus deve estar profundamente deprimido com o mercado religioso”, satirizou. Farpas são disparadas contra o islamismo, o budismo (“o budismo light é fake como uma Louis Vitton falsa”) e o ateísmo (“até golfinhos conseguem ser ateus, porque o ateísmo é a visão mais fácil de ter”).
O outro foco é a questão da vida sexual e afetiva. É nesse campo, acredita Pondé, que a superação da praga PC se faz mais necessária, porque ali está a base do convívio entre as pessoas. E é exatamente aí que a “praga” se manifesta com contundência ao “embaralhar” os tradicionais papéis entre homens e mulheres.
Sobra também para a democracia. Embora reconhecendo que esse regime é o “menos ruim”, Pondé aponta para sua “vocação tirânica”. Chama Marx – e também Rousseau – de “mentiroso” e dispara: “Confiar no povo como regulador da democracia é confiar nos bons modos de um leão à mesa”.
Pouco otimista é sua visão da vida acadêmica, um dos redutos no qual a praga PC também se prolifera: “Nada há de se esperar da universidade. Todos estão quase sempre ocupados com seus miseráveis salários, mas dizem que não”, escreveu no capítulo dedicado à universidade.
Assinando uma coluna semanal na Folha de S. Paulo, ele não poupa o leitor médio de jornal e telespectador de TV, a quem chama de “medíocres”. Parte da culpa é da mídia, que “muitas vezes parece uma reunião de centro acadêmico de ciências sociais na forma de simplificar o mundo ao nível de uma menina de 12 anos”.
Situando o nascimento do politicamente correto nas ideias de alguns filósofos modernos, como Pico della Mirandola e Rousseau, Pondé acredita que a tal praga PC um dia terá fim. “Passará como a peste passou”, disse nesta entrevista concedida por e-mail.
Como você define a “praga do politicamente correto”?
Luiz Felipe Pondé– A forma mais contemporânea de hipocrisia social, um modo totalitário de destruir o pensamento público e a criação artística.
Em quais aspectos ela é mais perniciosa?
L.F.P. – Nas escolas, nas universidades, na mídia, na bibliografia utilizada.
A partir de que momento a “praga PC” surge como um tema filosófico para você?
L.F.P. – Como leitor já nos anos 90, como escritor, de forma mais aguda, quando passei a assinar a coluna na Folha de S. Paulo em 2008. Mas venho me preocupando com isso desde que no doutorado (publicado no livro o Homem Insuficiente, em 2001, pela Edusp) me dediquei a estudar o crítico da natureza humana Blaise Pascal.
O multiculturalismo também pode ser considerado uma extensão dessa “praga”? Como você vê a postura de alguns de seus defensores mais eminentes do multiculturalismo, como o presidente Obama?
L.F.P. – Claro, não dá nem pra discutir. Obama e Cia. confundem praça de alimentação de shopping étnico com vida cotidiana; isso não implica que não devamos conviver com diferenças, mas sim que esse convívio às vezes tem limites e olharmos pra eles nos ajuda a evitar desastres políticos como a possível vitoria da extrema-direita na Europa. O PC é um exemplo de incompetência política a serviço da autoimagem de quem o professa.
De que forma seus pares na universidade reagem a suas críticas ao ambiente acadêmico e a seu sucesso como colunista da Folha de S. Pauloe autor de livros que são lidos?
L.F.P. – Alguns ficam felizes e vibram junto comigo, alguns morrem de inveja. O mundo acadêmico tem uma relação de amor e ódio com a mídia: corteja a mídia como uma dama inalcançável e tem inveja de quem consegue chegar nela.
Ainda é possível pensar no intelectual como um ser engajado nas grandes questões políticas, nos moldes de Sartre, que tomava o megafone e ia para as ruas participar de manifestações?
L.F.P. – Não tanto como pegar em megafones, prefiro pensar mais em intelectual público do que engajado, engajado é mais pra militante, o que atrapalha a vida intelectual.
Você escreveu em seu livro que “o tipo médio de leitor de jornal ou do telespectador de TV é um medíocre”. Mantê-los nesse nível de mediocridade também não é culpa da imprensa?
L.F.P. – Em parte, mas é um circulo vicioso porque a imprensa depende do receptor, se ele não gosta, não lê e o veículo abre falência, acho que um passo é perder o medo do leitor, hoje, numa economia de mercado ágil como a nossa, é muito comum querer agradar; o resultado que tenho tido é prova que se pode tratar o leitor como gente grande.
Como você analisa movimentos como o “Occupy Wall Street”?
L.F.P. – Coisa de gente desocupada. Mas, devo reconhecer, tem um certo valor como uma febre tem no corpo, indicar uma infecção.
Você explica em seu livro que a ideologia do politicamente correto tem um ponto de partida filosófico no otimismo de pensadores como Pico della Mirandola e Rousseau. Se a praga PC tem uma origem histórica, podemos supor que ela pode vir a ser superada um dia?
L.F.P. – Claro, com certeza. A vida segue seu curso, e não podemos nos cegar o tempo todo em nome do marketing da autoimagem. A praga PC passará como a peste passou.
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[Paulo Lima é jornalista, editor da revista eletrônica Balaio de Notícias]