O sociólogo Alberto Carlos Almeida publicou sua opinião na revista Época, sob o título “A greve remunerada dos professores universitários”. Neste artigo o autor critica o atual modelo de greve, definido em leis, dos profissionais da Educação Superior no Brasil. O sociólogo abre o artigo com a frase:
“Você, leitor, provavelmente nunca teve o privilégio de parar de trabalhar e, mesmo assim, continuar recebendo o salário integral na data correta. É o que acontece agora com os professores das universidades federais. Desde 17 de maio, eles estão em greve. Pararam de dar aulas e continuam recebendo seus salários. Igualmente grave é sermos nós, contribuintes, que pagamos o salário de quem não trabalha. É um absurdo em cima de outro absurdo.”
O termo privilégio, segundo nossos dicionários, refere-se a alguma vantagem concedida a um ou mais pessoas em detrimento de outros e contra a regra geral. O termo qualifica a sentença “parar de trabalhar e, mesmo assim, continuar recebendo o salário integral na data correta”. Onde, meu caro autor, está o privilégio? Será no direito de “parar de trabalhar”? Um dos principais instrumentos de pressão para negociação em questões de interesse dos trabalhadores lato sensu é a greve. A regra, meu caro autor, estabelecida pela Constituição Federal de 1988 respalda o exercício do movimento grevista ainda depende de regulamentação infraconstitucional. Na ausência, aplica-se analogicamente a lei de greve da iniciativa privada (Lei 7.783/89), abre-se a possibilidade do exercício desse direito pelos servidores públicos e tanto quanto os trabalhadores da iniciativa privada, não podem ter seus salários cortados ou não pagos nos dias paralisados (vide referida lei). Portanto, qual o privilégio e qual o beneficiário desse privilégio, que o autor descreve nesse breve parágrafo?
Aumentar impostos
Ainda na matéria, o autor emite mais uma pérola:
“Os professores grevistas, em sua maioria, concluíram o doutorado, ao passo que a grande maioria dos brasileiros jamais pôs os pés num curso de graduação. Os doutores são uma minoria ínfima de nossa população adulta. A minoria mais qualificada do ponto de vista formal e, portanto, mais preparada para obter recursos com o próprio mérito. Mas não querem isso.”
Novamente, o autor demonstra desconhecimento da realidade brasileira. Vejamos: 1) o número de doutores é inferior a 50% (vide Censo da Educação Superior); 2) seria bom se as Universidades Brasileiras tivessem condições de ter quadros completamente qualificados; 3) os novos concursos públicos são, na maioria, destinados a doutores, em função de três fatores: 1) salários melhores, 2) pontuação nas avaliações do MEC e possibilidade de financiamento dos órgãos de fomentos e 3) a instituição não precisa “investir” e “afastar” o docente para ele obter a qualificação; 4) muitos dos professores mais antigos buscaram a titulação, como sendo a única forma de terem seus rendimentos reajustados, uma vez que nos oito anos do governo do Fernando Henrique não havia reposição salarial referente a inflação. E por último, mas não o menos importante, qual o sentido da sentença “mais preparada para obter recursos com o próprio mérito”? Será que o autor desconhece a legislação novamente? Existem limitações legais da atuação dos profissionais da educação, principalmente dos que possuem dedicação exclusiva, de atuarem no mercado.
Preferem mais impostos. Sim, pois caso o governo ceda às reivindicações dos grevistas remunerados, terá de aumentar os impostos, uma vez que elas resultariam em mais gastos. Parece piada: aumentar impostos para destinar mais recursos a uma minoria que tem o doutorado completo e reivindica por meio de greves remuneradas.
Disposição de ceder
Caro autor, se o governo aplicar os percentuais de recursos previstos na Constituição desde 1988, certamente não será necessário aumento de impostos.
Fui professor da Universidade Federal Fluminense entre 1992 e 2005 e nunca fiz greve. Aprendi na própria universidade federal que as greves são inúteis. Não pressionam o governo, não atingem seus objetivos e apenas prejudicam os alunos. A greve é só de aulas. Os professores não param de fazer suas pesquisas, não deixam de ir a seminários científicos – nunca recusam viagens pagas pelo contribuinte – nem deixam de enviar seus relatórios de pesquisa aos órgãos de financiamento. Se fizerem isso, podem perder a bolsa de produtividade em pesquisa, o que é equivalente ao ponto cortado. Só há um prejudicado com a greve: o estudante.
Mais uma vez tenho que discordar, é impossível delimitar os prejuízos de uma greve na rede de ensino, ainda mais quando estamos falando de universidades. Devemos lembrar que as aulas serão repostas (obrigações legais), mas os prejuízos jamais serão calculados ou superados. Qual a formula que o autor indica para calcular o valor do conhecimento obtidos ou desenvolvido no ensino superior? A sociedade é a maior prejudicada e em segundo lugar a comunidade onde as instituições estão inseridas, não esqueçam os serviços prestados pelas instituições, através de seus hospitais, laboratórios, apoios etc.
Greves são situações de conflito em que os trabalhadores param com a finalidade de pressionar os patrões a negociar. Obviamente, toda greve precisa impor prejuízos aos patrões. É o que ocorre em qualquer empresa privada. Quando os operários do setor automobilístico param, a produção de carros despenca e, com ela, cai a capacidade de vendas da empresa, sinônimo de prejuízo. Os patrões sentam-se então à mesa para negociar. A disposição de ceder aumenta à medida que os prejuízos crescem.
Prestar contas aos contribuintes
Os professores doutores grevistas remunerados não impõem nenhum prejuízo ao governo federal. Pararam de dar aulas e isso não reduz a arrecadação, não leva à queda da popularidade de Dilma nem faz cócegas em Brasília. Os responsáveis por aumentar nossos impostos para atender à reivindicação dos grevistas apenas ouviram falar que os estudantes das federais estão sem aula. Não há poder de pressão. Uma greve de mais de 50 instituições federais no país inteiro não causa prejuízos, mais de um milhão de estudantes sem aula não fazem pressão?
Exatamente por isso, e porque o governo não corta o ponto, trata-se de um movimento que tende a se alongar. Já se passaram 45 dias. No passado, as greves começavam anualmente com data marcada, sempre em maio. O único limite é o tempo de reposição das aulas. Como há aproximadamente três meses anuais de férias universitárias, elas não duram muito mais que três meses. Tampouco alcançam seus objetivos. Antes de 2005, houve mais de dez anos consecutivos de greves remuneradas com data marcada. Em dez anos, não houve melhora visível das universidades federais.
Esse cara me causa espanto, será que ele ignora o fato que os meses de abril e maio são os que normalmente ocorrem os reajustes dos salários no país? Inclusive do salário mínimo?
Entre 2005 e 2010, o orçamento das 57 universidades federais aumentou 120%, sem contar os gastos com aposentados e pensionistas. Elas receberam quase R$ 20 bilhões em 2010, de acordo com o Ministério da Fazenda. No mesmo período, as vagas para estudantes de graduação cresceram somente 58%, segundo o Ministério da Educação. Os professores grevistas têm a obrigação de prestar contas a nós, contribuintes, acerca das razões do descompasso entre o aumento de 120% no orçamento e de 58% das vagas. Dados do Ministério da Educação revelam que, em 2010, as federais ofereceram 938 mil vagas para graduação. Entre 2001 e 2010, as federais não conseguiram dobrar as vagas em cursos de graduação, ao passo que as privadas saíram de 2 milhões de vagas para 4,7 milhões.
“Privatistas” e “neoliberais”
Os professores, não, cara pálida. A César o que é de César. Quem decide a regra de investimento é o governo, veja os critérios e as metas do Reuni. Se a relação não te agrada cobre do governo, não dos professores. E confundir o crescimento da iniciativa privada com a questão de greve ou de vagas nas instituições federais é outro, como você disse mesmo, ah sim, “absurdo dos absurdos”.
Os professores das federais são contra salas de aula com 100 ou 200 alunos. Defendem poucos alunos, sob o argumento elitista de que, para treinar bem, é preciso poucos estudantes em sala. Mas o Brasil precisa massificar o ensino universitário, não elitizá-lo. Estudei na London School of Economics (LSE) e frequentei salas de aula com mais de 100 alunos. A LSE forma melhor que qualquer uma de nossas federais e suas salas com poucos alunos.
Novamente, o mais que notório desconhecimento da matéria. Qual será a diferença de uma sala de cursinho para uma sala de aula regular? Qual será a diferença para um aluno que está em uma sala com outros quarenta para o mesmo aluno se ele estiver na mesma sala com outros cem? Para conhecimento dos desatentos e não do traste que escrever essa matéria, o governo, principalmente nas políticas do ex-ministro Fernando Haddad, trabalhando na redução da evasão e na ampliação dos concluintes, a redução do número de alunos é um dos mecanismos apostados por essas políticas. Mas como toda política, é uma opção do governante, a sociedade pode concordar ou não com essas políticas. Os professores apenas dançam conforme a música.
Os professores doutores grevistas remunerados também afirmam que os tais 120% a mais foram destinados à pesquisa. Mas os principais centros de não entram em greve e obtêm recursos adicionais por meio de contratos com empresas. Os professores grevistas atacam os professores que buscam vender pesquisas para empresas, acusando-os de “privatistas” e “neoliberais”. Para os grevistas, só um tipo de recurso não é pecaminoso e assegura a independência acadêmica: aquele que vem do Tesouro nacional – do nosso bolso.
Ideias não correspondem aos fatos
A greve remunerada é sinal de que nossos governantes não têm ainda a coragem necessária para enfrentar o professor funcionário público. O governo optou pela solução tipicamente brasileira: não entrar em conflito com os grevistas remunerados e deixar o sistema universitário privado crescer. Vai demorar um pouco, mas é inevitável: as universidades privadas passarão a atuar também em pesquisas científicas de ponta. Já tomaram o lugar das federais na formação de alunos, tomarão também na pesquisa científica. O contribuinte agradecerá.
Buemba, buemba, como diria o macaco Simão, o nosso eloquente amigo desconhece, mais uma vez, que as instituições privadas podem e conseguem muitos dos recursos públicos nas agências de fomento? E considerando o jogos dos números mágicos do nosso amigo, ele afirma primeiro que “entre 2005 e 2010, o orçamento das 57 universidades federais aumentou 120%” e posteriormente “os professores doutores grevistas remunerados também afirmam que os tais 120% a mais foram destinados à pesquisa”. Portanto, a proporção de recursos investidos na educação em relação a pesquisa são os mesmos. Realmente, meu caro Alberto Carlos Almeida, o senhor perdeu uma boa oportunidade de expor uma discussão de interesse nacional. Felizmente, pelo que pude acompanhar nas redes sociais, suas ideias não correspondem aos fatos.
Fica aqui minha opinião.
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[Dieval Guizelini é professor, Curitiba, PR]