Na terça-feira, 10 de julho, participei de um debate no Itamaraty sobre o tema “Lado a lado – a construção da paz no Oriente Médio: um papel para as diásporas”. O evento, com a participação de líderes das comunidades árabes e judaicas do Brasil e de países do Mercosul, além de intelectuais do Oriente Médio, foi importante pois lançou as sementes para uma possível colaboração das diversas diásporas, juntamente com o governo brasileiro, em um projeto que poderia fortalecer o agonizante processo de paz entre Israel e o mundo árabe.
Nos dias que se seguiram ao evento, procurei reportagens e análises sobre o evento e fiquei surpresa ao perceber que quase nada foi publicado. Li um artigo do ex-ministro Celso Lafer elogiando a iniciativa do Itamaraty e algumas notas curtas publicadas em sites da comunidade judaica.
A iniciativa do ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores, foi inspirada no livro O mundo em desajuste, do escritor franco-libanês Amin Maaluf. O autor aponta o fato de que fora do Oriente Médio existe uma coexistência pacífica e amigável entre judeus e árabes, e pergunta: “Não seria no vasto mundo, onde as diásporas já coexistem, que judeus e árabes poderiam refletir outro destino para os povos do Oriente Médio que lhes são queridos?”.
Esforço conjunto
O debate, no qual se destacou a boa vontade manifestada por líderes das diversas comunidades, desperta a esperança de que haja uma ação conjunta do governo brasileiro com as diásporas que aqui vivem, no sentido de fortalecer as pontes de confiança que ainda restam entre israelenses e palestinos.
Apesar da desesperança geral na região e da total desconfiança no âmbito dos governos, ainda há elos entre integrantes da sociedade civil dos dois lados. Esses elos são mantidos graças ao trabalho árduo de pacifistas e humanistas que ainda não abriram mão do sonho de paz, liberdade e dignidade para os dois povos.
Intelectuais importantes dos dois lados chegam a dizer que a solução de dois Estados “está morta”. O Exército israelense se prepara para “a próxima guerra”, mencionada como certeza por políticos e jornalistas do país.
Entre os palestinos do Fatah, movimento que apostou no acordo de paz com Israel, vigora um sentimento de profunda decepção em vista do óbvio retrocesso que ocorreu nesses 19 anos que se passaram desde a assinatura do acordo de Oslo.
Só as ONGs de direitos humanos e os grupos pacifistas mantêm viva a chama da confiança entre israelenses e palestinos, condição fundamental para que haja esperança de paz. As diásporas e o governo brasileiro podem dar uma contribuição significativa para a paz se fortalecerem esses grupos.
Existe uma expressão, que vem do hebraico literário – yafé nefesh –, em tradução literal “bela alma”, ou humanista. Na linguagem política utilizada hoje em dia pela direita israelense, essa expressão assumiu significado pejorativo, de ofensa, xingamento, sinônimo de traidor.
Para salvar a paz entre israelenses e palestinos é necessário fortalecer os yafé nefesh dos dois lados – e esse pode ser um papel para as diásporas.
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[Guila Flint, jornalista brasileira residente em Tel Aviv, cobre o Oriente Médio para a imprensa brasileira desde 1995 e é autora do livro Miragem de Paz – Israel e Palestina, processos e retrocessos, Editora Civilização Brasileira]