No auge dos movimentos sociais de 1960, o Brasil era visto como um terreno propício ao socialismo apoiado por parte da igreja católica progressista. As comunidades eclesiais de base se expandiram ao lado dos importantes conflitos no campo a partir de 1966. Consciente do perigo, e alertado por forças externas, o poder político brasileiro foi tomando conta do problema social concretizado com a colonização da Amazônia de 1971. O objetivo do presidente Emílio Médici e das forças armadas era somente desviar os conflitos agrários, lotando aviões da FAB de camponeses rumo à Amazônia com promessas de terra barata.
Mas a Amazônia não é a terra prometida. Onde os camponeses foram instalados não havia escola, hospital, transporte, contato com a civilização – enfim, enviados àquele mar verde para morrer de malária e outras doenças que a distância não cura. Com os meios de comunicação nas mãos e sob controle, era preciso dominar a igreja católica de seus focos esquerdistas e os pentecostais eram minoria, de direita, não ofereciam resistência.
Entre 1971 e 1972, inaugurava-se também a Teologia da Libertação por teólogos latino-americanos, com o mexicano Gustavo Gutierrez e o brasileiro Leonardo Boff puxando a fila. Esta nova teologia inaugurou a chamada teologia de reflexão marxista. A imprensa, sobretudo italiana, dava grande importância ao tema quando o assunto já estava nas mãos de Joseph Ratzinger, o atual papa. A igreja católica da Europa considera então a Teologia da Libertação como uma saída do marasmo conservador para desempoeirar o Vaticano. João Paulo II, eleito em 1978, e muito próximo da Opus Dei, tratou de tomar as rédeas da igreja de Pedro. Para João Paulo II a teologia da libertação era estéril por causa da leitura marxista e em 1984 o teólogo Boff era condenado ao silêncio e os dois seminários fundados por Helder Câmara em Recife, inseridos na comunidade, foram fechados.
A Opus Dei é vista pela imprensa francesa como “uma igreja dentro da igreja” – os jornalistas Jacques Kermoal e Jean Duflot publicaram o livro de jornalismo investigativo Entre Dieu et Cesar. A enorme conta a ser paga pelo Vaticano causou calafrios nos cofres da poderosa sede romana do catolicismo.
A Obra entra em cena
Era preciso curar as feridas da economia católica, revidar contra a Teologia da Libertação e sua influência pela opção preferencial pelos pobres. Foi então que o fundador da Opus Dei, José María Balaguer, aparece com o milagre da multiplicação do dinheiro. Aliado de Francisco Franco e influente nos bancos e universidades espanholas, Balaguer tinha notoriedade e respeito financeiro. A Opus Dei paga a conta do Vaticano (a dívida tinha sido instituída na organização do concílio Vaticano II) e em contrapartida o papa canoniza Balaguer (morto em 2000) num período curto, dizem os vaticanistas, sem o advogado do diabo. João Paulo II faz então uma investida conservadora na América Latina para acabar com a igreja popular.
O papa polaco tinha suas razões de odiar o socialismo/comunismo porque crescera com o regime. Mas a imprensa internacional não deu muita atenção quando dom Oscar Romero foi assassinado em 1980, nem quando 23 religiosos foram mortos na Guatemala em 1985. O interesse da imprensa era a cobertura massiva ao padre polaco Jerzy Popielusko, que lutava contra o regime comunista no leste europeu. Popielusko teve direito a 78 artigos e 2.957 artigos no New York Times, três na revista Time e Newsweek, contra sete artigos e duas colunas dedicadas aos 23 religiosos assassinados.
De acordo com a pesquisadora em ciências sociais Anne Haller, da Universidade de Estrasburgo, a investida de Karol Woytila na América Latina favoreceu o crescimento das igrejas pentecostais e abriu uma concorrência pelo campo espiritual. A Opus Dei facilitou a difusão de tudo o que é conservador, volta do latim, rigor na liturgia católica, procissões, renovação carismática, contra o aborto, contra homossexuais, contra o casamento gay e inaugurou novas casas de formação de padres, embora as vocações estejam em crise por uma série de quesitos morais não respeitados por bispos e padres. João Paulo II conseguiu se impor em assuntos religiosos com a política na América do Sul, mas na Itália teve que se calar quando as regalias do Vaticano, assinadas por Benito Mussolini em 1929, foram ameaçadas de serem revistas caso o papa insistisse nas proposições de leis contra o aborto.
Desde então, a Opus Dei tenta ter uma boa relação com a imprensa. Mas se o papa precedente e o atual condenaram a Teologia da Libertação, o jornal Osservatore Romano de fevereiro traz uma entrevista do bispo responsável pela Congregação da Doutrina da Fé, dom Gerhard Ludwig Müller, segundo o qual a entidade católica estaria tentando rever os erros cometidos em nome da ética e criticando o tradicionalismo católico. A igreja católica vive hoje um momento de baixa por causa da pedofilia e outros abusos enquanto os crentes saboreiam o sucesso do paraíso pentecostal.
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[Mario Doraci Pinheiro é jornalista, radicado na França, e mestre em Sociologia da Comunicação]