O assunto trata da regulamentação da mídia sob o ponto de vista do leitor, cidadão e, ainda, em nome de todos os destinatários que realizam os “significantes” das notícias. Assim, o autor teria legitimidade para apontar dedos para qualquer lado. Quando se fala em “legitimidade”, percebe-se, pelo sentido transmitido, que se trata de um autor-advogado.
Há uma falácia defendida por determinados jornalistas, falácia esta coberta por uma nuvem condensada sob o conceito de “liberdade de expressão”, ao opor este conceito à desnecessidade de regulamentação. Muitos profissionais da mídia se escondem sob o manto de fumaça para defenderem a impossibilidade de regulamentação. Faz-se lembrar do político que se apega a um único argumento absoluto – o da imunidade política, diga-se, apenas, para a liberdade de expressão da manifestação política – para justificar qualquer ato além daqueles próprios ao exercício da função. A regulamentação da mídia não se faz em virtude do conceito propalado. O móbile da discussão da regulamentação diz respeito à “responsabilidade” da mídia.
A responsabilidade é assunto corriqueiro e contraponto necessário quando se fala em direitos. Não é necessário ser um operador do direito para entender a forma pela qual organizamos nossas vidas. Na esfera individual: (i) é livre a manifestação de pensamento; embora (ii) vedado o anonimato [inciso IV do artigo 5º da Constituição Federal]. Quer dizer, “e.g.”, “diga o que quiser, mas assuma o que disse”. No que tange ao assunto específico: (i) é assegurado a todos o direito à informação e resguardado o sigilo da fonte; quando (ii) necessário ao exercício profissional [inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal]. Note-se, por oportuno, que o direcionamento dos princípios, ao assunto específico, mira alvo de interesse público. Em interpretação sistemática: tanto a liberdade de manifestação da mídia seria indiscutível, quanto indiscutível seria o direito de informação garantido à sociedade.
Premissa equivocada
Após entender os princípios acima, devem se ler os artigos específicos que dispõem sobre a “Comunicação Social” na Constituição Federal [artigos 220 a 224 da Constituição Federal]. Em resumo: observada a constituição, (i) a manifestação de pensamento (…), sob qualquer forma, não sofrerá qualquer restrição; (ii) nenhuma lei pode se constituir em um embaraço à plena liberdade de informação; e (iii) é vedada toda e qualquer censura de qualquer natureza. Mas, se tais direitos seriam garantidos à mídia, quais seriam as suas responsabilidades? A partir do móbile “responsabilidades da mídia”, esclarece-se a assertiva do título: a regulamentação parte de uma premissa equivocada e que nada se deve esperar do atual Conselho de Comunicação Social.
A nossa lei maior é redundante, afortunadamente ou não, e repete, ainda, como objetivos da Comunicação Social: atendimento aos princípios (i) das finalidades educativas (…) e informativas; e, entre outros, (ii) respeito aos valores éticos e sociais. A norma que disciplina a Comunicação Social é clara e coerente. A lei somente poderá dispor – além de informar (i) a natureza dos espetáculos, faixa etária, locais e horários, para os quais a informação ou entretenimento não seriam adequados; (ii) a vedação de publicidade de tabaco e bebidas alcóolicas, em certos casos; e (iii) a questão da propriedade e vedação a oligopólios – sobre os, em aspas, “meios legais que garantam ao indivíduo ou ente afetado a possibilidade de se defenderem contra os conteúdos veiculados” [idem]. E a possibilidade de a sociedade se defender contra um conteúdo da mídia passa ao largo do debate atual do CCS.
A regulamentação que se discute hoje no CCS parte da premissa equivocada porque ignora o próprio norte do chamado “Direito Social de Informação”. Discute-se, e até se repercute, a responsabilidade da mídia, sobre uma inarredável sensação de ponderações de interesses políticos e corporativos. Ou para o interesse dos parlamentares. Ou para interesse da empresa. Para a defesa individual, sujeito ou empresa, há o Código Penal e as tipificações para os crimes de injúria, calúnia e outros (no que tange aos políticos, “assim seria se tanto lhes afetam”). A premissa da CCS seria equivocada e, acerca da sua composição, não se tece detalhes, neste debate.
Sobre garantias sociais, nada se fala
Pergunta-se, então: quais seriam as violações em potencial que a mídia poderia causar á sociedade, a um direito social – de informação – garantido aos cidadãos, considerados coletivamente? A resposta, por acaso, não estaria inserida nos próprios princípios da lei – atender às finalidades educativas e informativas; com respeito aos valores éticos e sociais? E como a mídia e seus agentes supostamente violariam o acesso a uma massa de cidadãos difusos, que não podem ser identificáveis, individualmente? Vamos aos exemplos, abaixo.
A mídia poderia violar o direito ao acesso social de informação, por ação própria, quando um fato veiculado, de natureza política ou de consumo, do interesse da população, seria distorcido, via conotação ou, até, denotação, de algo diverso. Vide-se o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal e as abordagens publicadas. Mira-se o alvo do objetivo educativo ou ético para a sociedade? Não se precisa entrar em detalhes. Ou mesmo, quando, um jornalista se aproveita de outra notícia, de mídia concorrente de mercado, para veicular informação que diga respeito à própria mídia e a si. A pretensa destinação da informação aos fins (i) educativo e/ou (ii) ético falam por si.
A mídia poderia violar o direito ao acesso social de informação, ainda, por omissão. Quando, por exemplo, apenas um veículo divulga suposto relacionamento espúrio entre um grande veiculo de comunicação, ao passo que, imediatamente, todas as demais (e principais) mídias se calam e omitem a informação da sociedade, pode-se concluir, sem sombra de dúvida, que o corporativismo, por omissão, violou o acesso à informação da sociedade. Grande parte dos leitores gostaria de saber o porquê de só uma minoria de veículos de mídia abordar suposta relação entre uma mídia e um político, enquanto a maioria, em nítido espírito de corpo, violaria a responsabilidade legal que lhe é imposta de informar à sociedade, ao mesmo tempo em que se lhe é garantida a liberdade de expressão.
Hoje, a atribuição legal para a defesa de tais garantias coletivas e difusas da sociedade pertenceria ao Ministério Público. Sobre a defesa das garantias sociais, nada se fala. Nada mais haveria, assim, de se esperar do atual CCS.
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[Eduardo Toledo é advogado, Rio de Janeiro, RJ]