Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O gestor e a cultura

Cultura. Ou culturas? Muitos já falaram, outros andam falando por aí e muitos ainda falarão sobre ela. Definição, particularidades, amplitude, enfim, eis aí um dos temas mais amplos para discussão. Poderei escrever sobre isso o resto da vida e, mesmo assim, não chegar a uma conclusão. E será mesmo preciso chegar a alguma conclusão? Concluir é finalizar um pensamento, levá-lo a cabo e, quando se fala de cultura, chegar a um ponto final não me parece interessante. Isso porque cultura é algo vivo. Extremamente vivo. E como tal, não pode ter uma definição estática (conclusão?) que a poderia delimitar e reduzir.

De tudo o que já foi dito sobre o assunto, e ao que tive acesso, fico com a afirmação de Warnier de que cultura “é a bússola de uma sociedade, sem a qual, seus membros não saberiam de onde vêm, nem como deveriam se comportar”. As subsequentes definições (cultura popular, de massa, erudita etc.) são uma tentativa de enquadrar o termo em algumas situações-chave estabelecidas por uma determinada necessidade.

Na Teoria Crítica (um dos norteadores do estudo da Comunicação), há uma divisão de pensadores em integrados e apocalípticos. Para os primeiros, a indústria cultural estaria fazendo um bem ao disponibilizar os bens culturais para as pessoas que normalmente não teriam acesso a eles. Seria, então, a tão falada democratização dos integrados. Impossível não lembrar do célebre texto de Walter Benjamin (“A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”) no qual ele, integrado, fala que a reprodução de obras de arte (antes “presas” aos centros culturais sagrados, verdadeiros templos) em diversos locais, como selos de correspondência, panfletos, cartazes etc., produz um bem social na medida em que possibilita às pessoas, que normalmente não iriam a um centro cultural, terem acesso a elas. Dessa forma, elas teriam a oportunidade de usufruir desse bem, dessa obra de arte. Já os apocalípticos, tratam a indústria cultural como algo nocivo à sociedade. Tão nocivo que, na visão deles, essa indústria poderia motivar a anulação de uma determinada sociedade.

Caráter envolvente

Enquanto essas duas correntes de pensadores debatiam seus pontos de vista, acreditando que cada qual era o único certo a ser seguido, o francês Edgar Morin, no livro O espírito do tempo (livro este que inaugura outra corrente de pensamento conhecida como Teoria Culturológica), reconhece que a indústria cultural existe e que isso basta. Assim, não adianta perder tempo com julgamentos em relação a ela (coisa que os integrados e apocalípticos estavam fazendo), mas sim, que ela deve ser aproveitada e estudada de todas as suas maneiras.

Em outra corrente de pensamento dentro da Comunicação, conhecida como Estudos Culturais, afirma-se que a identidade só se forma na alteridade, ou seja, alguém só é alguma coisa diante de, diante do outro. Assim, para definirmos uma identidade, deveríamos ter sempre em mente um parâmetro para ela. Seria algo do tipo: eu tenho a identidade de uma brasileira porque não sou portuguesa, não sou russa, não sou canadense e assim por diante. Dessa forma, de acordo com essa escola de pensamento, nossa identidade cultural é formada tendo-se em conta outros parâmetros.

Retomando as bases de pensamento da Teoria Crítica, seus pesquisadores já tratavam a cultura como um produto, tanto que eles cunharam o termo “indústria cultural”. Mas, acredito que não podemos colocar a cultura no mesmo patamar de um produto qualquer, no sentido apenas de um artigo utilitário que, depois de usado, poderá ser descartado ou colocado de lado. O produto cultural, materialização da cultura, tem um caráter mais envolvente, perene, elucidante. A cultura torna-se, então, um produto de ouro, de ouro bruto, para que o gestor cultural a molde de acordo com uma determinada necessidade de mediação.

O gestor cultural

Da mesma maneira como vários artigos entram e saem de “moda”, o profissional gestor é o que está em voga ultimamente. Assim, pouco a pouco, a figura do gerente está sendo substituída pela do gestor. Muito mais do que apenas administrar burocraticamente, (não que esta seja uma tarefa fácil), o gestor tem por característica ser um estimulador de sentimentos, de emoções. Afinal, gerir cultura não é a mesma coisa que gerir um outro “negócio”. Sobre a possível pergunta se a cultura poderia ser tratada como um outro tipo de negócio, bem, isso os integrados e apocalípticos já responderam.

A palavra que melhor define o gestor cultural é diversidade. Isso porque parece-me que tudo relacionado às questões culturais tem o caráter de ser diverso. Falamos de inúmeros tipos de cultura, mesmo que todos esses tipos possam ser reunidos em um macro-conceito, desde a popular até à erudita, passando pela religiosa, política, enfim… Além disso, a própria função do gestor requer que ele tenha uma visão diversa de tantos outros fatores relacionados à gestão.

O que significará gerir a cultura? O gestor cultural deverá ter conhecimentos muldisciplinares. Se ser gestor cultural passa por algum tipo de administração, várias profissões poderiam estar incluídas na lista de potenciais gestores. O gestor é aquele que ao administrar manifestações culturais, estaria gerindo emoções que, na maioria das vezes (ou em todas elas?), são coletivas. Por ter tamanha amplitude, de acordo com a época e a situação, o gestor tem uma determinada habilidade colocada em evidência, ora ele é mais administrador, ora mais produtor, ora mais relações públicas, ora mais apreciador de arte etc.

Acredito que este caráter de multidisciplinaridade aumenta, e muito!, nossa responsabilidade, de futuros gestores culturais, uma vez que nossa formação profissional nunca estará finalizada. Sempre será preciso ler um pouco mais, viajar mais, conhecer mais pessoas diferentes.

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[Eliza Granadeiro é jornalista e produtora cultural]