Esteban Rodríguez, no livro coletivo Populismo punitivo y Justicia Expresiva, 2011, p. 290, sublinha que “o auge da administração da justiça por parte dos jornalistas deve ser buscado na crise institucional assim como no desprestígio que ostenta o Estado, os partidos políticos e os juízes em particular”. A imagem da Justiça tornou-se cada vez mais desprestigiada (pela sua morosidade, corrupção, lentidão, classismo, elitismo, nepotismo etc.). Os números que veremos abaixo confirmam essa tendência.
Diante da “crise de representação” (do Legislativo e do Executivo) e da “crise de confiança” (no Judiciário), o espaço ficou aberto para o jornalismo, especialmente o populista ou justiceiro, que se tornou um interlocutor privilegiado para canalizar as demandas da população relacionadas com a insegurança e a corrupção. Frente à pressão da opinião pública, o jornalismo populista ou justiceiro começou a tomar partido nessas questões complexas, sobretudo na questão criminal. Precisamente quando as instituições se acham em processo de desmoronamento contínuo (deteriorização permanente) é que passou a mídia a cumprir seus novos papéis de empresária moral do punitivismo (rigorismo penal), investigadora, acusadora, julgadora etc. O jornalismo populista ou justiceiro busca a verdade dos fatos, mas, mais que isso, com base na sua verdade (que nem sempre é autêntica: o exemplo da Escola Base é paradigmático), procura responsabilizar (publicamente) o malfeitor, o violador da lei, o perturbador da ordem social. No mínimo isso sempre significa uma sanção moral, imposta pela justiça paralela, de acordo com seus critérios.
Gastos são uma heresia
A “crise de credibilidade na Justiça” em números: considerando-se os resultados do Índice de Confiança na Justiça (ICJ Brasil), coordenado por Luciana Gross Cunha e elaborado pela Faculdade de Direito da FGV, a “crise de confiança na Justiça” é mais aguda do que se possa imaginar. Fausto Macedo (O Estado de S. Paulo, 8/7/10) sintetizou os números da seguinte forma: “Só 33% dos entrevistados dizem confiar nos tribunais, 28% no Legislativo e 21% nas agremiações partidárias.”
São números do segundo trimestre de 2010. Até a polícia (que é acusada de violenta e corrupta) anda mais prestigiada que a Justiça. As Forças Armadas lideram a tabela dos que estão bem acreditados, com 63% de aprovação. Depois, seguem grandes empresas (54%), governo federal (43%), emissoras de TV (42%), imprensa escrita (41%), polícia (38%), Igreja Católica (34%). O radar ICJ Brasil ouviu 1.550 pessoas de diversas faixas de renda e de escolaridade e crava que a avaliação da Justiça segue negativa porque ela não desgruda de características anacrônicas: lenta, cara e pouco acessível. A credibilidade do judiciário também está em baixa nos quesitos honestidade, imparcialidade e competência para solucionar os casos que são de sua alçada.
Em 2009 a nota de credibilidade do judiciário era de 6,5; na pesquisa do quarto trimestre de 2011 caiu para 5,3% (na escala de 0 a 10). A credibilidade do Judiciário está em xeque (Valor Econômico, 7/2/12, p. A7). Duas em cada três pessoas consideram o Judiciário pouco ou nada honesto e sem independência; 55% questionam a sua competência; 89% consideram o Judiciário moroso; 88% acham seus custos elevados; 70% o acham de acesso difícil. A percepção da população sobre o Judiciário só piorou nos últimos três anos.
De acordo com Roberto Monteiro Pinho, dados oficiais do Supremo Tribunal Federal (STF) indicam que o número de juízes de 1º grau aumentou desde 1999 até hoje (começo de 2011), em aproximadamente 10%. Em 1889, havia 1576 juízes e promotores no Brasil. Hoje são mais de 23.000 membros. O fato é que o Brasil gasta mais de 3,6% do PIB anualmente apenas com o Poder Judiciário, sem computar as demais carreiras jurídicas. É um dos maiores quocientes do mundo, mais do que se gastou com educação em 2005 (3.5%), se constituindo numa heresia, pela total inversão de valores.
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[Luis Flávio Gomes é jurista e cientista criminal]