O que molda a mídia brasileira: o comportamento e as necessidades dos seus leitores ou as necessidades das empresas que a encabeçam? A orientação do governo e da classe política majoritária no Congresso Nacional ou a orientação política das corporações e segmentos que financeiramente a mantêm?
Há numerosos historiadores da mídia norte-americana que dão a um item do seu comportamento – a clareza da sua tendência política na condução editorial – o maior peso da sua credibilidadade. Por exemplo: a que se deve o fato de ser New York Times o jornal de maior credibilidade política acumulada por um veículo da imprensa dos EUA?
Ao longo dos anos de sua existência, o jornal The New York Times, cujo principal editor, o lendário Artur Ochs Sulzberger, faleceu recentemente, sempre se posicionou politicamente favorável a um candidato nas eleições presidenciais para, com isso, permitir que seus leitores não se sintam ludibriados com os posicionamentos do jornal frente ao tratamento de questões enfocadas pelo seu noticiário. Se o candidato alvo da preferência do jornal é ou não o mesmo do seu leitor, isso por si só acaba se transformando numa questão irrelevante. O leitor sabe que a conveniência de votar nele ou não é sua.O leitor-eleitor já sabe de antemão que o jornal da sua preferência não está usando de pretextos para enganá-lo.
Experiência que deixou cicatrizes
Talvez a falta de um comportamento semelhante ao longo dos anos explique as razões da existência de tiragens tão reduzidas, modestas, dos jornais brasileiros. Uma das raras vezes em que um jornal sofreu um extraordinário impulso na expansão de sua tiragem foi quando a Folha de S.Paulo pulou de 21 mil exemplares diários, em 1974, para 1 milhão e 500 mil exemplares/dia em 1979. Não cabe aqui mencionar os esforços e as articulações políticas do seu inesquecível editor, Claudio Abramo, e sua equipe, mas o impacto que essa ascensão sofreu quando os eleitores descobriram que a avestruz escondia a cabeça mas sua cauda estava exposta – não por culpa dos seus dirigentes editoriais, mas por responsabilidade exclusiva do seu proprietário Octavio Frias de Oliveira, que emprestara, anos antes, veículos da empresa para a repressão da ditadura militar transportar presos políticos conduzidos de uma cadeia para outra e chamar num editorial a prisão,tortura e o assassinato de centenas de pessoas de “ditabranda” – foi apenas mais combustível num ambiente inflamado. Isso foi amplamente denunciado pelos professores filósofos Maria Victoria Mesquita Benevides Soares e Fabio Konder Comparato, da USP. E o reflexo foi incontrolável, histórico: a tiragem da Folha sofreu uma queda brutal, praticamente voltando aos modestos números anteriores.
Quando essa ocorreu essa refrega entre a Folha e os filósofos, as redes sociais eletrônicas ainda estavam sendo montadas no Brasil, em 2009, mas a experiência política do jornalão da Barão de Limeira deixou apreciáveis cicatrizes indicando a necessidade da prática de um melhor jornalismo. Claro, desde então o jornal persegue freneticamente uma melhoria na sua qualidade editorial na tentativa de compensar as perdas. Contudo, ainda está longe de alcançar a alta fidelidade que o mantinha vinculado aos seus leitores.
Comportamento dos dirigentes
Há outros casos de grande relevância política e social a refletir os danos causados pela hipocrisia, como o protogonizado pelo jornal londrino News of the World, do empresário Rupert Mudoch, que vigiava familiares de militares britânicos para utilizar informações não autorizadas.
Daí, depreende-se que o preço da hipocrisia é extremamente alto. E que as tiragens dos jornais diários brasileiros estão diretamente relacionadas ao comportamento dos seus dirigentes.
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[Reinaldo Cabral é jornalista e escritor]