Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As idiossincrasias do pastor

Silas Malafaia é um dos pastores midiáticos mais famosos do Brasil. Líder da Assembleia de Deus – Vitória em Cristo, Malafaia tornou-se nacionalmente conhecido pelos gritos histéricos em pregações e por suas inúmeras polêmicas. Em seus programas televisivos, Fala Malafaia e Vitória em Cristo, o pastor não poupa críticas aos seus principais desafetos (ativistas gays, feministas, ateus, marxistas e partidos políticos de esquerda, entre outros).

Em um discurso contra o casamento homoafetivo, Malafaia chegou a comparar a homossexualidade à zoofilia e necrofilia. “Vamos colocar na lei tudo o que se imaginar. Quem tem relação com cachorro, vamos botar na lei. Eu vou apelar aqui. É um comportamento, vamos aceitar. Quem tem relação com cadáver, é um comportamento, vamos botar na lei”, disse o pastor sobre a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo. “Os ativistas gays são o segmento social mais intolerante da pós-modernidade”, completou.

Já em uma entrevista ao New York Times, o líder da Assembleia de Deus afirmou que “os ateus comunistas” (da antiga União Soviética, do Camboja e Vietnã) foram responsáveis por mais mortes do que todas as que ocorreram em consequência de “questões religiosas”. Em outra oportunidade, Malafaia chamou a jornalista Eliane Brum de “vagabunda” ao comentar um artigo que ela escreveu para a revista Época relatando não ser fácil a vida de ateus em um Brasil cada vez mais marcado pela intolerância evangélica.

Manifestações de cristofobia

Segundo Malafaia, a Bíblia dá margens para se debaterem os mais variados assuntos. Desse modo, a política brasileira é um dos temas mais abordados pelo religioso. “Eu voto em pessoas de qualquer partido. Eu não demonizo partido político nenhum, nunca fiz isso”, afirmou em seu programatelevisivo. No entanto, logo após anunciar seu suposto apartidarismo, o líder da Assembleia de Deus elogiou e recomendou o livro O país dos petralhas II: o inimigo agora é o mesmo, que tem como objetivo claro difamar o Partido dos Trabalhadores. “Ele [o autor do livro, Reinaldo Azevedo] é católico praticante, mas é muito coerente. [O livro] fala de mensalão, de sindicalismo gay, da tentativa de destruição da família com outros valores”, asseverou. Ora, para quem se diz apartidário é no mínimo estranho fazer apologia de um livro que demoniza um determinado partido político. Não obstante, Malafaia sempre apoia partidos alinhados ao pensamento conservador. De neutralidade partidária, o pastor não tem nada.

Por outro lado, ao propor que a religião influencie todas as esferas da sociedade, o líder da Assembleia de Deus parece não respeitar a laicidade estatal: “A igreja só é igreja fora das quatro paredes. Nós estamos aqui para influenciar a vida em tudo: a vida biológica, a vida psicológica, a vida sociológica e a vida espiritual. Vamos deixar de ser trouxas. O diabo e os ímpios não querem que nós influenciemos a sociedade. Eu tenho autoridade para influenciar qualquer área porque a Bíblia me dá legalidade na área social, na área política, questões de sexualidade, de relacionamento.”

E as idiossincrasias não param por aí. De acordo com Malafaia, apesar da intensa campanha midiática anti-Islã e do filme A Inocência dos Muçulmanos (que ridiculariza o profeta Maomé), não há islamofobia no Ocidente. “O que tem no mundo é uma cristofobia. Islamofobia, não. Nos países muçulmanos, pastores e cristãos são presos e assassinados, igrejas sendo queimadas, [há] proibição de abertura de igrejas cristãs e uma verdadeira perseguição religiosa. Vamos ao Irã para ver aquele monstro que é presidente, aquele medíocre, o que ele faz [contra os cristãos].”

Uma nova legislação

Já em relação à questão palestina, o líder religioso apresenta uma posição extremamente controversa e preconceituosa: “Israel é o único Estado democraticamente pleno no Oriente Médio. Os que governam os palestinos são grupos terroristas que pregam a eliminação do Estado de Israel e que praticam atentados contra a soberania deste Estado. Os palestinos querem Jerusalém como sua capital. Como isto pode acontecer se Jerusalém é a capital do Estado de Israel, foi fundada pelo rei Davi, e Jerusalém, na história, nunca foi capital de Estado árabe? Como um Estado soberano vai dividir sua capital? Os palestinos são de origem árabe, não possuem cultura palestina, possuem uma língua e cultura árabes. Milenarmente, aquelas terras pertencem a Israel.”

Por fim, como não poderia deixar de ser, Silas Malafaia, em seus programas, convoca seus fiéis a contribuírem financeiramente com a sua igreja: “Você que quer ser parceiro de nosso ministério, com ofertas acima de 30 reais, qualquer dia do mês, é um boleto bancário, é você que preenche. […] Você pode se cadastrar pela internet e até pelo cartão, se você quiser. Se você quer enviar uma oferta, se você está sendo tocado por Deus, entre em contato. O pessoal vai te dar as contas bancárias e você pode ser um parceiro ou enviar uma oferta”. Qualquer semelhança com a “sacolinha” de Tim Tones, personagem de Chico Anysio, não é mera coincidência.

Evidentemente, não estou questionando a crença do pastor Silas Malafaia. Afinal de contas, vivemos em um Estado laico e a todos é garantida a liberdade religiosa. Todavia, quando emissoras de televisão, que são concessões públicas, são utilizadas para proselitismo religioso e atacar determinadas minorias, devemos nos preocupar. De acordo com uma matéria de Paula Adamo Idoeta, publicada no site BBC Brasil, as igrejas evangélicas “adquirem cerca de 130 horas semanais nas grades de algumas das principais emissoras de TV abertas do país”. Assim, é por estes e outros motivos, que uma nova legislação para o setor de comunicação no Brasil torna-se cada vez mais urgente.

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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG]