Em boa parte das ocupações, existe um conjunto de normas e valores que norteiam a atividade profissional, definida como código de ética. Tal documento tem na sua essência o objetivo de estabelecer limites e “embasar” o comportamento na rotina de trabalho. No jornalismo, o debate em torno da “ética profissional” sempre instiga inúmeras discussões, já que para muitos ela é o princípio norteador do exercício da imprensa e para outros ela é meramente flexível às intenções da notícia. Segundo Eugenio Bucci (2000), “o jornalismo é um lugar de conflito e caso não exista, um alarme deve soar, já que a ética só existe porque a comunicação é lugar de conflito” (p.11). Diante de tais divergências, é necessário verificar as razões das diferentes formas de informar, bem como a verdadeira face da notícia, passando pela avaliação dos jornalistas até os reflexos sociais.
O filme O preço de uma verdade (2003), de Billy Ray, evidencia o dia a dia de um grande veículo de comunicação tendo como plano de fundo a realidade cotidiana de quem trabalha na redação, bem como seus desafios profissionais. O longa-metragem conta a história do jovem Stephen Glass que, muito jovem, consegue um emprego na redação da famosa e conceituada revista The New Republic. O jovem jornalista ganha destaque e notoriedade devido às suas reportagens polêmicas e de bastante repercussão. Stephen, com seu jeito espontâneo e carismático, ganha aos poucos a confiança dos colegas do periódico, inclusive a do editor Michael Kelly, que ao defender constantemente sua equipe acaba sendo demitido.
A chegada de um novo editor, Chuck Lane, cria novas formas de relacionamento e mudanças na linha editorial. Stephen Glass consegue um grande furo ao cobrir um evento e escreve a reportagem intitulada “O paraíso dos hackers”. A grande exposição do fato gera uma turbulência na equipe do Forbes digital, que é duramente reprimida por negligência. Disposto a reparar-se diante do editor, o repórter Adam Penemberg começa a pesquisar as informações contidas na reportagem de Glass e, pouco a pouco, descobre a farsa das informações apresentadas. Na verdade, Stephen Glass forjou todo o conteúdo de sua matéria e acabou sendo descoberto após uma minuciosa investigação. Tais descobertas obrigaram ao editor da The New Republic a demitir o funcionário. Posto em julgamento, sabe-se que das 41 matérias publicadas pelo Stephen Glass, 27 foram parcialmente ou inteiramente inventadas.
“Sem diversidade, não há imprensa ética”
A história, baseada em fatos reais, permite inúmeras interpretações. Primeiro, é abrangente a ideia de glamour e status que muitas pessoas têm a respeito da mídia, acreditando, por exemplo, que os jornalistas são partícipes da alta sociedade, com salários superando a cifra dos 200 mil reais e apresentando jornais televisivos, desconhecendo, assim, o duro trabalho que existe nos bastidores visando à garantia de informações que interessam.
São visíveis também as constantes pressões que um recém-formado jornalista vive para consolidar sua carreira, deixando transparecer que no início o que vale é manter uma boa convivência e exprimir uma “marca própria” a partir dos conteúdos que serão colocados em circulação. A figura do editor Chuck Lane é exatamente a representação da coerência jornalística, ao checar as fontes e agir de forma isenta, trazendo a responsabilidade para si em nome de um patrimônio jornalístico e do respeito ao público.
O bom jornalismo é sinônimo de integridade na informação e checagem das fontes. Num mercado onde a principal tarefa de um sistema de comunicação é vender, tais procedimentos ficam, muitas vezes, em segundo plano. A população que ao longo dos anos tem observado a imprensa com outros olhos aprendeu a cobrar cada vez mais daqueles que buscam a notícia, obrigando os jornalistas e o jornalismo a se reinventar, até porque a sociedade é a principal interessada, como ratifica Bucci (2000) ao afirmar que “a ética jornalística não se resume a uma normatização do comportamento de repórteres e editores; encarna valores que só fazem sentido se forem seguidos tanto por empregados da mídia como por empregadores – e se tiverem como seus vigilantes os cidadãos do público” (p.12).
A reflexão em torno do “jornalismo ideal”, que anda muito longe do que é “real”, instiga também a análise sobre a concentração midiática nas mãos de poucas pessoas que, com poderes na mão, abusam de suas funções (em uma cena do filme, o diretor ordena que os membros da redação revisem incansavelmente a gramática para evitar erros esdrúxulos). É muito grave perceber que alguns meios de comunicação, em alguns casos, ficam à mercê das instabilidades emocionais de seus patrões. Bucci (2000) faz um importante alerta ao constatar uma tendência de “monopolização da mídia” (p.13), ao mesmo tempo em que revela a necessidade leis reguladores que garantam um controle mais democrático das empresas jornalísticas, evitando consequências mais sérias. “Sem diversidade, como é natural, não pode haver uma imprensa ética – pois ela tenderá a representar apenas a voz das grandes corporações. E todos sabem disso” (p.14).
O “comercial de Hitler”
Contudo, o filme O preço de uma verdade, cujo título já é bem esclarecedor à medida que os fatos vão acontecendo, promove uma reflexão sobre a grande responsabilidade da mídia perante o que é transmitido, já que toda informação carrega consigo consequências que, quando deturpadas ou maquiadas, poderão acarretar danos irreparáveis à credibilidade de qualquer meio de comunicação.
Parafraseando a frase final da famosa propaganda da Folha de S.Paulo do ano de 1987, que ficou conhecida como “comercial de Hitler”, desenvolvida pelo publicitário Washington Olivetto, e que ilustra bem um dos maiores dilemas jornalísticos, “é possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade”.
Referência:
BUCCI, Eugenio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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[Emilson Garcia é professor, Campina Grande, PB]