Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A terra dos caubóis enlouquecidos

Rudolf Hoss, um dos comandantes do complexo de Auschwitz (Polônia), contou durante seu julgamento em Nurembergue que, um dia, uma mãe judia passou por ele, em direção à câmara de gás do vizinho campo de extermínio de Birkenau, levando quatro filhos pela mão. Disse-lhe: “Como vocês podem matar crianças tão lindas e tão queridas?”.

Esse diálogo me veio à memória depois de ver fotos de crianças assassinadas na escola Sandy Hook em Newtown na sexta-feira (14/12).

Hoss não respondeu -ou, ao menos, não há registro de sua resposta-, mas, se o tivesse feito, provavelmente diria, como tantos outros assassinos, que estava apenas cumprindo ordens.

Elemento identitário

O que adiciona horror ao episódio da Sandy Hook é que nem uma resposta -por inaceitável que seja- poderá ser obtida do atirador de Newtown. Não pode haver explicação para esse tipo de crime.

Não adianta agora o presidente Barack Obama prometer “medidas significativas”, não especificadas, para tentar acabar com essa mania de matar que a cada tanto assola os Estados Unidos.

Claro que restringir o próspero comércio de armas pode até ajudar, mas chegará demasiado tarde. Segundo a mídia internacional, há 300 milhões de armas em circulação nos Estados Unidos, à incrível média de uma para cada habitante, bebê ou velho, homem ou mulher.

Mesmo que se chegue à draconiana proibição de fabricar armas, o que é impossível, ainda assim já há estoque suficiente para promover outras Sandy Hook, Virginia Tech, Columbine e por aí vai.

Mais eficaz, mas mais remota, é a hipótese de mudar a cultura norte-americana. Obama até tocou no assunto, ao dizer que “esses dramas têm que cessar. E, para que eles cessem, nós precisamos mudar”.

De acordo, presidente, mas a que você está se referindo exatamente?

Espero que seja à mentalidade assim descrita na segunda-feira (17/12) por Philippe Paquet, colunista do jornal La Libre Belgique: “A posse de armas de fogo está ainda profundamente gravada na mentalidade americana. A conquista do Oeste, na história de uma nação tão jovem, foi ontem, e os americanos têm o sentimento, de um lado, de que o porte de armas é um elemento constitutivo de sua identidade e faz parte de sua cultura ancestral; de outro lado, [têm o sentimento] de que sua segurança depende em grande medida da posse de uma arma e de sua capacidade de utilizá-la”.

Códigos de conduta

Se Obama quer mudar uma mentalidade como essa poderia começar por proibir o uso dos “drones”, aviões não tripulados, para praticar crimes em terras remotas que fazem as vezes de novo Velho Oeste.

Sejamos claros: esse tipo de ataques corresponde a execuções extra-judiciais e, portanto, viola uma das vacas sagradas da democracia norte-americana qual seja o devido processo legal.

Admito que é uma tarefa insana combater terroristas fanáticos, mas rasgar para isso códigos civilizados de conduta é armar o braço de mentes igualmente insanas para que matem crianças tão lindas e tão queridas, como são todas as crianças aos olhos dos pais.

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[Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo]