Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A guerra vista pela imprensa francesa

No princípio, nem se ousou falar de guerra. O termo “intervenção” era usado pela imprensa para noticiar o envio de soldados, aviões de guerra Rafale e tanques para a antiga colônia, o Mali, que já estava com metade do território nas mãos de grupos que o ocidente chama de “terroristas”.

Ao anunciar a “intervenção” no país africano, a pedido do governo maliano, o presidente francês François Hollande se viu apoiado por toda a imprensa, de esquerda como de direita. Uma união nacional que fazia falta ao presidente da República, muito atacado por essa mesma imprensa que o criticava por sua falta de punch, ineficácia no combate ao desemprego e à crise econômica, e lentidão na tomada de decisões.

Depois do envio de tropas ao Mali, mesmo os antigos ministros do ex-presidente Nicolas Sarkozy e a bancada da oposição no Parlamento (Assemblée Nationale) vieram declarar publicamente apoio à resolução do presidente socialista. Hollande encontrou finalmente uma unanimidade ao atacar os islâmicos radicais pertencentes a uma nebulosa facção que se autodenomina AQMI (Al-Qaeda au Maghreb Islamique).

Efeito colateral

Gilles Kepel, um especialista do mundo árabe e professor da prestigiosa Sciences Po (Instituto de Ciências Políticas) de Paris, escreveu no Le Monde que François Hollande está, na realidade, tentando controlar os efeitos perversos da guerra que o Ocidente fez contra Muamar Kadafi, tendo Sarkozy e o primeiro-ministro britânico David Cameron como chefes de guerra.

O sentimento de união nacional em torno do presidente ficou claro com as pesquisas de opinião feitas logo depois do início da guerra. No dia 15 de janeiro, o jornal comunista L’Humanité publicou o resultado de uma pesquisa do Instituto Ifop que mostrava que 63% dos franceses apoiam a intervenção no Mali. O que o governo francês deixa sempre bem claro é que a intervenção foi feita a pedido do frágil governo do país africano. Não se trata, pois, de uma guerra de conquista. Mas não deixa de haver vozes para apontar uma nova forma de colonialismo, travestido de autodefesa, quando se expõe argumentos de segurança e de luta contra o terrorismo islâmico.

A França conta com uma população de 120 mil malianos, estabelecidos sobretudo nas banlieues (cidades-satélites) em torno de Paris. Eles fazem parte da primeira ou segunda geração originária do pequeno país africano de 16 milhões de habitantes, com uma renda per capita de 480 euros. Somente 8% tem acesso à eletricidade e 65% da população urbana vive em favelas.

A esperança de vida de um maliano não passa de 51 anos enquanto na França, a ex-metrópole, ela é 25 anos maior. O IDH (índice de desenvolvimento humano) do Mali é o 175º numa lista de 187 países. Mas o país tem um território imenso e uma posição estratégica na África. Com a Argélia, rica em petróleo e gás, o Mali tem 1400 quilômetros de fronteira.

Não é de admirar que um país com esses indicadores econômicos e sociais tenha um orçamento de defesa esquálido e que depois da ofensiva dos amigos franceses tenha lançado um pedido de doação pela televisão para financiar a guerra.

Segundo a imprensa francesa, sob efeito da propaganda governamental ou refletindo uma objetividade sempre duvidosa, os bandos armados que já haviam conquistado a metade norte do Mali se autofinanciam com o tráfico de droga e estão armados até os dentes com armamentos desviados da Líbia, do arsenal de Kadafi.

Esses grupo de islâmicos radicais dispostos a instaurar um governo sob a égide da sharia (lei islâmica) no Mali são, pois, parte do exército mercenário do ex-ditador líbio. Mas a eles se juntam os povos tuaregues espalhados por diferentes países africanos, que nunca conseguiram formar um Estado em que tenham direitos iguais às etnias majoritárias.

O perigo que os ex-mercenários de Muamar Kadafi representam para o Mali e seus vizinhos seria, assim, efeito colateral da recente guerra da Líbia, que desalojou o ditador líbio mas originou uma instabilidade política nos países limítrofes.

Guerra cara

Apesar de apoiar a intervenção que na segunda semana já começou a ser denominada abertamente de “guerra”, a imprensa francesa se questiona. O jornal Libération de 15 de janeiro fez uma capa com soldados franceses embarcando cujo título era: “Perguntas em torno de uma intervenção – Por que a França interveio sozinha, sem o apoio de africanos nem de ocidentais?; Quem são os jihadistas instalados no norte do país?; Por que o poder maliano que Paris foi salvar é tão instável e sem credibilidade?”

No site do jornal de direita Le Figaro, uma pesquisa entre os leitores pergunta: “Você teme que a França tenha caído num terreno movediço no Mali?”

Em época de crise, a comunicação para convencer os franceses da necessidade da guerra para a segurança do país é fundamental. O governo precisa continuar a fazer o trabalho de pedagogia para explicar os riscos do terrorismo islâmico e convencer os franceses de que estão ameaçados no próprio território por esses grupos radicais.

Caso contrário, os franceses vão começar a se perguntar se é realmente necessário gastar tantos milhões de euros por mês numa guerra que pode ser vista como desnecessária. De todo modo, não somente os franceses foram solicitados a ajudar o Mali a combater os extremistas islâmicos, que se aproximavam da capital Bamako, como as imagens do povo nas ruas são de euforia com a passagem dos soldados franceses. Todo mundo tem uma bandeirola bleu, blanc, rouge e os militares são acolhidos como uma espécie de exército de libertação.

Mas a direita francesa já começou a emitir críticas quanto ao que considera uma campanha não suficientemente preparada, além de ver com reservas a “solidão” da intervenção francesa, comparada com a ação conjunta na Líbia.

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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]