Que dimensão deve ser dada a uma cobertura jornalística? Eis uma dúvida comum entre editores, qualquer que seja o tema. E quando esta cobertura é a de uma tragédia, como a de Santa Maria, no Rio Grande do Sul? Centenas de mortos e feridos (até o momento em que escrevo eram, somados, quase 400), acontecimento trágico como raros outros no Brasil. Devemos dar a esta tragédia o tempo que nossas emoções pedem? O tempo jornalístico deve ser medido pelo impacto que a notícia tem sobre nossas vidas, deve ser proporcional ao volume de informações que temos para oferecer, ou deve levar em consideração o critério da proximidade? Não é uma resposta fácil.
Foram diferentes os entendimentos por parte dos canais de televisão. Ainda que separemos as emissoras all news das convencionais, ainda assim as interpretações foram múltiplas. Alguns canais cancelaram toda a programação e ficaram horas a fio com a tragédia no ar, ainda que não tivessem material suficiente para isso (caso da Record e SBT durante parte do domingo, 27/1), outras mantiveram a programação normal fornecendo a informação em flashes (caso da Globo).
Nas redes sociais havia críticas para todo lado. Eis algumas: “a audiência é a agenda oculta das emissoras, este é o único interesse”; “é morbidez de quem assiste ou preocupação em ocupar a grade?”, dizia-se diante da excessiva repetição de imagens e das mesmas informações. Por outro lado, estava a indignação de alguns em ver “uma tragédia dessas acontecendo e a Globo com os ‘Caras de Pau’, no ar…”
Perguntar pífias
O incêndio aconteceu de madrugada, mas durante muitas horas da manhã as únicas imagens no ar ainda eram noturnas, o que revelava a dificuldade das grandes emissoras em cobrir com rapidez fatos de grande proporção que ocorrem fora dos grandes centros (o que demanda um debate paralelo sobre a valorização do jornalismo regional).
Entre as emissoras de notícias 24 horas, as abordagens também foram diferentes. A GloboNews e a RecordNews ficaram com o assunto todo o tempo. A all news da Record preocupava-se em (re)anunciar o que tinha acontecido, priorizando a função de atender aos novos telespectadores do momento, ainda que para o enfado de quem já ouvira tudo o que estava sendo dito. A da Globo ocupava o espaço com longas entrevistas com especialistas que davam seus diagnósticos a quilômetros de distância da notícia e baseados em informações preliminares.
“Daqui a pouco vão entrevistar um especialista da USP em incêndios dentro de boates”, provocava um internauta. Enquanto isso, quem zapeava a televisão percebia o sofrimento de apresentadores que, “condenados” a entrevistas perpétuas, perguntavam se “usar lenço no rosto é uma boa alternativa para quem estiver em situação semelhante, com muita fumaça”, como se fosse hora de desdobrar um tema que nem mesmo havia sido bem explicado em sua essência inicial. O resultado foram entrevistas confusas, com abordagens inadequadas para o momento. “Qual a característica de Santa Maria, é a presença da Aeronáutica?”, perguntava outro apresentador a mais um especialista de plantão.
Momento de reflexão
A verdade é que não é fácil ter a exata noção do tempo que se deve dedicar a essas coberturas. A dimensão deve ser espacial – motivada pela proximidade do acontecimento –, proporcional ao tamanho da tragédia, ou relacionada com o volume de informação significativa disponível? Um internauta apontou um caminho: “suspender a programação normal da programação regional e, para o restante do país, atualizar apenas com as novas informações”. Seria uma boa solução?
É fato que a maior parte das redações jornalísticas encontra essa medida numa régua que mede o impacto das emoções populares e seu reflexo na audiência. Mas, a julgar pelos comentários nas redes sociais, o excesso de tempo com a mesma informação (diferente do excesso de informação) pode não ser tão bom para os resultados dessa audiência, como muitos imaginam.
Longe de ser insensível, há de se questionar: a existência de uma tragédia deve significar que todo mundo tem que se penitenciar e assistir apenas a essas notícias por todo o dia? Será pecado assistir ou oferecer outra programação? Ou o maior pecado, pelo lado da imprensa, seria prometer uma cobertura “total” e confundir tempo com notícia?
O momento é importante para a reflexão de editores e especialistas em Comunicação. Como diz um velho ditado popular, a diferença entre o remédio e o veneno pode estar na dose.
***
[Carlos Tourinho é jornalista, editor de TV e doutorando em Ciências da Comunicação]