Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As lições da tragédia

O domingo 27 de janeiro de 2013 foi diferente para todos os brasileiros. Um sentimento de perplexidade e de dor diante da tragédia de Santa Maria rapidamente se espalhou de norte a sul do país. Ficamos todos atônitos diante do que aconteceu. Jovens tiveram suas preciosas vidas ceifadas de forma grotesca e covarde.

Pouco a pouco, as circunstâncias da tragédia vêm sendo mostradas, expondo a fragilidade dos mecanismos de proteção ao cidadão neste país, onde instituições cuja obrigação é também prevenir a ocorrência de episódios dessa natureza simplesmente são inoperantes e culpabilidades são transferidas. Empresários donos da boate? Integrantes da banda? Bombeiros? Município? Estado? Enfim, imagina-se que cada qual tenha a sua parcela de culpa e cabe à justiça definir culpados e suas penalidades. A nação clama por explicações e justiça.

No meio de toda essa enorme tragédia, lições devem ser aprendidas. E não adianta somente refazer as leis existentes direcionadas às boates. É simples escrever na lei que precisa ter saída de emergências, respeitar a máxima lotação permitida, sinalização, enfim, o problema vai muito mais além. Afinal quantas leis existem e não são cumpridas? De leis, estamos bem servidos. Precisamos de muito mais, precisamos de atitudes.

Precisamos que as instituições públicas e governantes façam jus ao cumprimento de suas funções, sem esperar que tragédias ocorram para agir. Ações preventivas, educativas e mesmo punitivas são urgentes nos mais diversos setores da sociedade civil. Para exemplificar, será que o caos na saúde e na segurança pública não poderia ser resolvido antes que pessoas morressem por falta de hospitais ou vítimas de homicídios decorrentes da violência urbana? Investir na prevenção nunca é demais. Inserir socialmente os jovens tirando-os do mundo das drogas e da ociosidade não minimizaria a violência? Investir em ações preventivas de saúde através do saneamento básico, da assistência qualificada e ampliada na atenção básica, remuneração e condições salubres para os profissionais não traria impactos positivos? Evidente que sim.

Fim à omissão

Que fique a principal lição ao povo brasileiro. Somos internacionalmente conhecidos como um povo de bem, pacíficos, que respeitamos as mais diversas religiões e ainda estampamos no rosto a alegria, mesmo diante das adversidades. Falta-nos, porém, a conscientização sobre a necessidade de sermos os verdadeiros fiscais do país, de cobrar nossos direitos, de exercer a cidadania, de não nos acostumarmos com os homicídios, com a falta de estrutura das estradas e com a ineficiência do poder público. Dados oficiais apontam que temos anualmente temos mais de 40.000 mortes por homicídios no Brasil, mais de 3000 por mês, mais de cem por dia. E o que fazemos contra tudo isso? Quase nada, infelizmente. Nem mais nos indignamos diante da rotina de mortes, o que é lamentável.

Também ficou provada a força que a imprensa desempenha junto à população. Nessas horas sabem muito bem cumprir seu papel enquanto concessão pública, alertando a todos sobre os perigos de incêndios em locais fechados, sobre o que fazer, como agir, buscar culpados, etc. Será que não seria o momento para uma mudança de paradigmas? Quem sabe trazer mais informação de qualidade, que leve a reflexão e ao pensamento crítico das pessoas. Que contribuam para um país melhor e que fomentem o entretenimento sadio ao invés dos chamados reality shows que enaltecem os falsos “heróis nacionais”. São horas importantes literalmente jogadas fora e que poderiam ser tão úteis para bem informar.

Por fim, a principal lição que fica na tragédia de Santa Maria é que não mais devemos permitir que haja omissão do poder público no cumprimento de suas tarefas, seja na fiscalização do funcionamento de uma boate seja na promoção da saúde da população ou no oferecimento de segurança a todos.

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[Alexandre Nogueira é professor de Odontologia, Sobral, CE]