Sou médico em Porto Alegre e trabalho em uma das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) que estão atendendo os sobreviventes da tragédia de Santa Maria. Neste pequeno artigo, desejo fazer uma homenagem a uma grande instituição brasileira que vem atuando através dos meios de comunicação pelo menos desde o incêndio do edifício Joelma, em 1974 – a LBB: Legião Brasileira de Bobalhões. A LBB é uma entidade aparentemente sem fins lucrativos. Na verdade é o ego de seus especialistas que cresce a cada episódio de comoção nacional. Para ser um especialista da LBB é preciso obedecer a alguns pré-requisitos. Normalmente são pessoas com curso superior: médicos, engenheiros, advogados, psicólogos, jornalistas, entre outros…
Uma das características fundamentais do especialista da LBB é falar sobre algo que não conhece. Assim, por exemplo, no caso da tragédia de Santa Maria, um advogado vem à imprensa falar sobre insuficiência respiratória aguda, um médico fala sobre a prisão dos suspeitos, ou uma psicóloga determina quantas saídas de emergência a boate Kiss deveria ter. Os cronistas da grande imprensa brasileira – que normalmente ocupam cargos de direção na LBB – costumam superar todos os demais “especialistas” por que falam com uma desenvoltura (e uma estupidez) fantástica sobre todos estes temas. Misturam tudo e acabam por me fazer lembrar daquela letra de música – “presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada”.
Além desta habilidade fundamental para ser um integrante da LBB, existem outras que podem ajudar muito. Uma delas é ser professor desta máquina de formação de idiotas que se tornou a universidade brasileira – ambiente de onde todo mundo costuma sair acreditando que a Terra está aquecendo, que Deus não existe e que atropelar uma foca é mais grave que deixar uma criança morrer de fome.
Uma dose de vergonha
Quando alguém da LBB é confrontado com um texto como este que escrevo agora, imediatamente se defende afirmando o seguinte: é a comoção nacional que faz com que ocorra este fenômeno. As pessoas estão apavoradas, não sabem o que pensar nem o que dizer para compreender a morte de mais de 230 jovens. Respondo a elas o seguinte: uma coisa é ficar comovido, a segunda é escrever, a terceira é ter acesso ao lixo que é a grande imprensa brasileira e a quarta é ocupar cargos-chave do poder público com poder de vida e morte sobre a segurança das pessoas. Deveria haver uma lei sobre acúmulo de funções. Ou alguém pertence à LBB ou tem de fato cargo público.
Atualmente, quem mais lucra com a desenvoltura da LBB no Brasil são as criaturas de nossa classe política. Apoiado pelos especialistas desta instituição nacional que é tão brasileira quanto o Carnaval, o futebol e as brasileiras seminuas, os nossos governantes têm acesso ao rádio, jornal e TV com toda segurança do mundo. É a receita perfeita para esquecer os trens do Rio de Janeiro circulando com gente saindo pelas janelas, nossas grandes capitais com seu contingente de bombeiros reduzido à miséria, nossos hospitais com ratos circulando nos blocos cirúrgicos e nossa previsão meteorológica feita por “patricinhas” de cabelo comprido e calça justa.
Termino aqui e já estou me sentindo, eu mesmo, candidato a um cargo na LBB. Afinal, se sou médico, por que não estou cuidando dos meus pacientes em vez de escrever tudo isso? Antes do ponto final uma atitude da minha profissão. Uma receita para todos os integrantes da LBB que estão na mídia escrevendo sobre o que ocorreu no Rio Grande do Sul – tomem três vezes por dia, e pelo menos durante uma semana, uma dose de vergonha na cara. Parem de explorar a morte das pessoas falando sobre o que não sabem.
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[Milton Pires é médico, Porto Alegre, RS]