Passada a fase de transformar Bento XVI em santo – que começou com a renúncia e terminou com a benção na sacada de Castel Gandolfo –, a imprensa começa a discutir o futuro da igreja católica.
Como das outras vezes, não faltam especulações sobre quem será o futuro papa, que só terminarão quando a fumacinha branca anunciar que “habemus papam”. Mas, ao contrário das eleições anteriores, desta vez se discute se o novo papa vai mesmo “purificar” a igreja ou continuará encobrindo os seus problemas, que não são poucos.
O futuro da igreja foi o tema de Hans Kung, sacerdote e professor de Teologia na Alemanha, em artigo publicado na edição de domingo (3/3) do Estado de S.Paulo, que começa perguntando:
“A Primavera Árabe abalou diversos regimes autocráticos. Com a renúncia do papa Bento XVI, não seria possível ocorrer algo semelhante dentro da Igreja Católica Romana – uma Primavera Vaticana? (…) A primeira renúncia de um papa em cerca de 600 anos deixa clara a crise fundamental que ameaça uma igreja petrificada. E agora o mundo todo pergunta: apesar de tudo isso, o próximo papa conseguirá dar início a uma nova primavera na igreja católica?”
Em sua análise dos problemas da igreja católica, o sacerdote aponta a escassez “catastrófica” de padres, a perda de respeito pelos bispos e padres, a alienação “particularmente das mulheres mais jovens” e o fracasso para integrar os jovens na igreja. E alerta:
“Não devemos nos deixar levar pela cobertura na mídia dos grandiosos eventos de massa em torno do papa, ou com os aplausos entusiastas de grupos de jovens católicos conservadores. Por trás dessa fachada, a casa inteira está desmoronando”.
Depois de apontar caminhos e as características que, na opinião dele, o novo papa deve ter, o sacerdote conclui:
“Se o próximo conclave eleger um papa que siga pela mesma velha estrada, a igreja jamais viverá uma nova primavera, mas entrará numa nova era do gelo, com o risco de encolher a ponto de se tornar uma seita cada vez mais irrelevante.”
Desafios imensos
De acordo com Veja (edição 2311, de 6/3/2013)…
“A lição de moral revolucionária a uma Cúria corrupta no bolso, no corpo e na alma não deveria passar em branco no próximo pontificado – inclusive porque o papa emérito estará ao lado, como um vigia divino incontornável, mesmo se enclausurado e em silêncio obsequioso. Uma das questões é saber se a renúncia de Bento XVI, o único recurso de um octogenário debilitado para tentar promover uma limpeza na Igreja, não criará um precedente que resulte em seu contrário. Ou seja, a dessacralização dos pontífices que virão a seguir e a cristalização ainda maior dos cardeais que os circundam”.
Até começar o conclave para eleger o futuro papa, a imprensa vai alimentar o noticiário com especulações sobre a rotina de Bento XVI, os encontros entre cardeais e as possibilidades (com direito a infográficos) dos cardeais brasileiros. Tomara que as matérias sobre os problemas e o futuro da igreja não caiam no esquecimento. Nem sejam esquecidas quando finalmente a fumacinha branca anunciar que o papa foi escolhido.
O que ainda falta discutir é a importância do papa no mundo de hoje e as consequências políticas que a figura de um reformador do catolicismo terá num mundo onde o islamismo e os pentecostais ganham cada vez mais força.
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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]