Transmissões em tempo real da Santa Sé, reconstituições do ambiente do conclave, entrevistas coletivas diárias, cobertura jornalística intensiva, comentários especulativos e até tramas conspiratórios voltaram a colocar a igreja católica na centralidade do agendamento e da espetacularização midiática após a renúncia do papa Bento XVI, única nos últimos 600 anos. Diferente do carisma de “bom velhinho”, de João Paulo II, que deu várias voltas no mundo, resistiu o calvário de suas doenças no comando da igreja até a morte e se tornou o primeiro papa pop da história, seu sucessor conseguiu poucas e quase sempre negativas imagens nos meios de comunicação.
O papado de Bento XVI foi logo anunciado como a ascensão do ultraconservadorismo, associado à instituição Opus Dei, famosa por suas posições radicais contra a secularização e popularização da igreja. A leitura tem coerência com a atuação do atual papa emérito quando presidente da Congregação para Doutrina e a Fé, do Vaticano. Foi ele quem colocou frei Leonardo Boff na mesma cadeira da inquisição onde sentou Galileu Galilei, acusando a Teologia da Libertação de aproximar o catolicismo do marxismo e afirmando não haver tanta miséria no Brasil. O religioso brasileiro foi condenado, neste processo, ao voto do silêncio. Impossibilitado de pronunciar-se em público e fazer qualquer publicação, Leonardo Boff decidiu assim deixar a vida religiosa e a Teologia da Libertação, se não extinta, encontra-se totalmente debilitada.
Decisões políticas
Outra desastrosa repercussão midiática de Bento XVI resultou de sua declaração que usou a citação de um imperador bizantino para dizer que o islamismo cresceu pela força da espada, causando protesto no mundo árabe e criando clima de hostilidade entre católicos e mulçumanos. Em seguida, a revogação da excomunhão do bispo Richard Williamson, que defendia que o Holocausto nunca existiu, e a manutenção da oração pela conversão dos judeus ao cristianismo na liturgia católica, o que o colocou contra o rabinato israelita e motivou mais uma cobertura crítica de sua atuação. Seu conservadorismo apontou para o regresso a épocas anteriores ao Concílio do Vaticano II, com a autorização da celebração das missas em latim.
As crises inadministráveis que comprometeram sua imagem pública passaram também pelos escândalos de pedofilia, envolvendo inclusive membros do alto escalão do clero, e pelas denúncias de corrupção no Banco do Vaticano com ares de tramas policiais, incluindo traição do mordomo e sua prisão na Santa Sé. Para completar a relação conflitiva com a mídia, a falta de secularização da igreja (posições contrárias ao controle de natalidade, casamento dos sacerdotes, ordenamento de mulheres e união homoafetiva) e o crescimento das igrejas pentecostais marcaram as demais coberturas. Somente sua renúncia voltou a possibilitar um espetáculo kitsch, baseada no ineditismo do fato e na curiosidade gerada pelos tradicionais ritos sucessórios. No entanto, nem esse momento de trégua para escolha de um novo pontífice trouxe paz para o papa Francisco, que já chega cercado pelas denúncias de ser conivente com sequestros de religiosos durante a ditadura militar argentina.
Por outro lado, devido a suas críticas ao governo argentino da presidente Cristina Kirchner, quando arcebispo de Buenos Aires, o novo pontífice está se convertendo em um novo mito midiático. A figura de Francisco tornou-se esperança para os empresários da comunicação contra o socialismo bolivariano populista, claramente seu adversário porque regulamenta a comunicação, dificultando a formação de oligopólios midiáticos. Todavia, uma sólida mudança na imagem papal e católica passou a ser uma tarefa muito menos midiática e muito mais de decisões políticas, que voltem a popularizar e secularizem a igreja que já teve a opção preferencial pelos pobres e os jovens.
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Ismar Capistrano C. Filho é jornalista, doutorando em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor de ensino superior