Nos últimos dias o noticiário sobre a eleição do novo papa tomou conta da mídia brasileira. Entre o ufanismo inicial e o (quase) desapontamento final, seguem algumas observações. Não se sabia, até a renúncia de Bento 16, que o Brasil era um país com tantos “jornalistas vaticanólogos”. Muitos deles sem nunca terem colocado os pés no Vaticano. No máximo, como turistas. Os nossos “jornalistas vaticanólogos”, com raras exceções, divulgaram notícias que oscilaram entre a obviedade e o triunfalismo. Mais fácil ler direto no Google.
Ao tomar conhecimento de que outros “especialistas” apontavam o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, como um dos candidatos com boas chances, a cobertura tupiniquim entrou em campo em clima de jogo de futebol. Brasil zilzil… Um verdadeiro espetáculo de torcida organizada. Vai que é tua, Odilo! Odilo foi, viu,votou, mas não venceu. Deu zebra! Nenhum dos candidatos apontados pelos jornalistas foi eleito. Tomaram um baile dos cardeais. A Argentina venceu de goleada, pelo que disseram depois.
A exemplo do que acontece com nossos cronistas esportivos, somos especialistas também em comentar “depois do lance”. E de uma hora para outra – sem fontes – soube-se que já no conclave anterior Bergoglio teria sido o segundo mais votado. Ora, então, por que não estava entre os favoritos?
Uma igreja que se autointitula única
Em Santa Catarina, vários jornalistas chegaram a cogitar a hipótese de um papa catarinense. Rendeu manchete. Sim, tudo era possível. Mas jornalistas não são pagos para fazer análises fidedignas dos fatos? Para investigar com boas fontes mais do que fazer torcida? Infelizmente, tudo muda muito rápido. Jornalismo tornou-se algo bem próximo do entretenimento, e jornalista, não raro, vira personagem das reportagens. De narrador oculto a estrela dos fatos. Muito distante das lições do mestre Joel Silveira: “Jornalista é para ver a banda passar. Não é para fazer parte da banda.”
Muito se falou que a preferência do Vaticano seria por um papa mais jovem. Quem disse isso deve ter faltado às aulas de comunicação e marketing. Com tantas horas de mídia gratuita cada vez que morre um papa e se elege outro, é um bom negócio não escolher um papa muito jovem, não é? E agora que foi aberta a “porteira” para a renúncia por “motivos de saúde”, salvo se o papa for muito idolatrado, tudo indica que a fórmula pode vir a ser usada mais vezes.
Impressionante a quantidade de espaço, em todas as mídias. É bom lembrar que, embora o cristianismo seja a maior corrente religiosa, a maior parte do planeta não professa a fé católica, mas o islamismo, o hinduísmo, a religião tradicional chinesa, o budismo e o sikhismo, entre outras. A cobertura é desproporcional à real importância global. Por tão generoso espaço, o Vaticano, penhoradamente, agradece. Por trás de todo o discurso da fraternidade e solidariedade, há uma Igreja que se autointitula única, a verdadeira, a do papa infalível, e diz que fora dela não há salvação. Ao tentar impor um só Deus para todas as culturas, abrem-se as portas para os conflitos. Embora o discurso seja de paz, as religiões estão na raiz de muitas guerras. Ontem e hoje.
Tendência que pode se repetir
Nessa imensa centimetragem de jornais e infindáveis horas de televisão e rádio, sem falar nas redes sociais – quanta overdose! – pouca coisa se viu sobre as intrigas do Vaticano e a onipresente mistura entre religião e política. O tom foi quase sempre igrejeiro, tudo divino e maravilhoso. Mas há esperança: eu, por exemplo, sou um crente. Creio na boa reportagem jornalística. Tenho fé que nem tudo está perdido.
Mesmo com tanto oba-oba, em tempos de redes sociais, não deu para represar as denúncias de envolvimento ou omissão do novo papa com a ditadura argentina. Há muito ainda para explicar. Pelos próximos anos, a pauta da pedofilia abre espaço para a da tortura nos porões da ditadura. O Vaticano tenta, mas não consegue exorcizar os seus fantasmas. É quase certo que teremos um papa populista e conservador. Contra o casamento gay, contra o aborto, contra a ordenação de mulheres na igreja. Talvez um aliado em alguns embates contra a vergonhosa acumulação de riqueza no planeta. Mas de leve, porque o telhado do onipotente Vaticano também é de vidro.
A escolha de um papa não europeu, e especificamente da América Latina, é uma tendência que pode se repetir no futuro. No último século, o número de católicos europeus caiu pela metade e hoje representa apenas 25% do total mundial. Na América Latina a tendência é oposta. Na região já se concentram 42% dos fiéis do planeta, e estima-se que até 2050 esse número terá crescido mais de 40%.
A eleição de um papa argentino renovou o estoque de piadas dos humoristas brasileiros no mínimo até a próxima década. As minhas contribuições, a seguir.
Não bastasse o Messi, agora temos um papa argentino. Não dá mais para dizer que Deus é brasileiro. A Argentina foi com Jorge Mario (Bergoglio). O Brasil deveria ter escalado Mario Jorge (Lobo Zagallo): “Zagallo é o papa” tem 13 letras! São tantos os escândalos sexuais da Igreja Católica que a fumaça no conclave do Vaticano bem que poderia ter saído em cinquenta tons de cinza.
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Celso Vicenzi é jornalista, Florianópolis, SC