É praticamente consenso entre jornalistas e pesquisadores da área que a objetividade seja compreendida como algo inalcançável, ou uma falácia de algum veículo ou alguém que ainda ouse caracterizar desta forma o seu jornalismo. Tal entendimento, no entanto, não ignora o valor que essa qualidade tem para a área. Em uma situação ideal admite-se as limitações, com a consideração de que essa busca deva ser realizada e a objetividade seja uma meta. Agindo desta forma, o jornalista pode se considerar eticamente comprometido com sua função social de promoção de uma democracia igualitária.
Assegurar aos leitores as diferentes versões dos fatos é um dos pontos em comum entre vários códigos de ética jornalísticos, dos sindicatos às empresas de mídia e órgãos representativos da sociedade. O quinto ponto do código da Associação Nacional dos Jornais, representante das empresas jornalísticas do país, chama atenção para a questão da divulgação das diversas tendências de opinião da sociedade. Problematiza-se aqui a questão da reprodução da mídia dessas tendências de opinião e faz-se uma análise específica no caso da cobertura de greves.
Imagem da desordem
Na semana do Dia do Trabalhador, de 28 de abril a 4 de maio (domingo a sábado), no Diário Catarinense o tema greve apareceu em seis matérias jornalísticas, uma com o tema apenas citado e as demais sobre greves em andamento. O quadro a seguir descreve o espaço e as fontes utilizadas e possibilita uma noção sobre a angulação das pautas.
Data | Cartola | Manchete | Tamanho | Fontes * |
29/04 | Dilema no ônibus | Cesar tenta separar reajuste tarifário da questão salarial** | 1 página | Prefeito, sindicatos das Empresas e dos Trabalhadores |
29/04 | Desafios da ponte estaiada | Mudanças após greve de 10 dias | Nota | Ministério do trabalho de Criciúma |
30/04 | Em negociação | Assembleia de servidores vota por greve na capital | 1/2 página | Sindicato dos trabalhadores e Governo |
01/05 | Serviços comprometidos | Greve continua na capital | 1/2 página | Sindicato e opinião Prefeito |
03/05 | Negociações difíceis | Lei e orçamento limitam reajustes para servidores | 1 página | Opinião Prefeitos |
04/05 | Greve na capital | Servidores voltam ao trabalho | Nota | Servidores |
*Fontes identificadas pela citação nos textos | ||||
**matéria sobre reajuste tarifário do transporte público, cita a greve como um dos problemas da prefeitura |
Com relação às fontes utilizadas, em números, percebe-se um desequilíbrio pequeno. Os sindicatos dos trabalhadores envolvidos foram ouvidos em quatro das seis matérias e os empregadores – governo e sindicato das empresas, no caso do transporte coletivo – em cinco de seis. Os assuntos predominantes são: as despesas dos cofres públicos com as reivindicações, o limite prudencial e a lei fiscal, as reivindicações (em termos gerais) e os transtornos causados.
No tratamento do assunto, nota-se, no entanto, uma diferença maior no conteúdo e nas declarações publicadas. As informações de despesas dos cofres públicos com as reivindicações, Lei fiscal, limite prudencial e total da folha de pagamento são detalhadas e ocupam a maior parte dos textos. Normalmente aparecem acompanhadas por declarações do governo como: “uma incompreensão do funcionalismo”, “o aceite das reivindicações levariam ao caos administrativo”, “a implementação do plano reivindicado seria um crime ou uma irresponsabilidade”.
Do outro lado, as precariedades das condições de trabalho apontadas pelos grevistas foram citadas apenas na matéria sobre a construção da ponte de Laguna, ainda assim sem especificações dos problemas: “Os operários cruzaram os braços insatisfeitos com os salários, alimentação e situação do alojamento”. As situações individuais dos trabalhadores não são relatadas. A matéria não explica por exemplo porque, mesmo com a conquista de 30% de abono salarial, cerca de 100 trabalhadores não quiseram continuar no trabalho. Adiante, divulga os salários com o abono e conclui que o ministério do trabalho junto com o sindicato levantará as condições de trabalho e que não se interferiu no cronograma da obra. Em outras palavras, fica dito que a ordem foi reestabelecida.
Reproduzindo a tendência
Toda greve quebra alguma rotina social. Normalmente é entendida pela sociedade como um transtorno à ordem e uma perturbação à vida em comunidade. Vistos desta forma, os grevistas são geralmente tratados como um problema por aqueles que não estão diretamente envolvidos com a classe reivindicadora. Identifica-se aí uma tendência de pensamento social. A reprodução da imagem da greve como transtorno e dos grevistas como autores do problema, esconde causas maiores da situação. As coberturas desses assuntos costumam deixar de lado as ações que o empregador deixou de tomar para evitar que se chegasse ao ponto de deflagrar uma greve. Por que o governo não cumpriu com o seu papel de planejamento e com o seu dever de garantir boas condições e direitos trabalhistas a seus funcionários? São questões anteriores que costumam não ser feitas na cobertura factual da greve.
Não se pretende avaliar neste artigo quem está ou não errado, mas se chama atenção para que o jornalismo esforce-se em abordar de forma completa as questões de ambos os lados. Em seu artigo ”O jornalismo cego às custas das armadilhas do discurso oficial“, publicado no Observatório da Imprensa, a pesquisadora Sylvia Moretzsohn chama jornalismo “de mãos limpas” aquele se contenta em ouvir os dois lados e deixar a conclusão para o público. Ao abordar a cobertura da greve nas universidades federais ocorrida na metade de 2012, falando sobre o problema da falta de checagem e investigação de dados na apuração ela diz que “não é difícil imaginar a que tipo de conclusão esse público poderá chegar, privado que está das informações elementares a partir das quais poderia elaborar algum raciocínio minimamente fundamentado”. A falta de informações foi também perceptiva nas matérias aqui observadas. A anormalidade da greve fica apenas nas manifestações, nas perturbações, no fato ocorrido, e não em suas causas. E o jornalismo, reproduzindo tal noção de irregularidade, deixa de contribuir para que a sociedade repense algumas noções preconcebidas.
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Elaine Manini é mestranda em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora do objETHOS