Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A paranoia do vazamento

Para Clinton Rossiter, o governo é como o fogo: “Sob controle, é o mais útil dos servidores. Fora de controle, é um tirano devastador.” Por isso, precisamos de servidores públicos conscientes da natureza ambígua e perigosa de sua situação. Queremos que tenham afeto e respeito pelas pessoas a quem servem. Queremos autoridades conscientes de que foram para o governo porque desejam moldar e ajudar outras pessoas.

Assim como um cirurgião abomina o desleixo, os melhores servidores públicos, instintivamente, abominam insinuações de dominação. Sabendo como o poder é capaz de corrompê-los, eles tendem a recuar ante qualquer indício de sua própria extrapolação e desejo de controle.

No entanto, não vemos essa atitude no governo atual. A maioria dos servidores públicos é surpreendentemente dedicada, talentosa e coloca o governo em um nível de compromisso que é muito desproporcional a seus salários. Mas também vemos servidores que, longe de conter seu desejo de controle, a ele se entregam alegremente.

O escândalo da receita federal americana (IRS, na sigla, em inglês) e o monitoramento de jornalistas da Associated Press são apenas o exemplo mais recente de extrapolação. Ele está no topo das intrusões diárias do aparato de segurança pós-11 de Setembro. É difícil dizer se o caso é bandidagem política ou desmemória.

Cultura de liberdade

Seria uma coisa se fosse apenas um grupo de pessoas perseguindo outras, contrários ao pagamento de impostos. Seria bem pior se os altos funcionários do IRS tivessem ficado tão absortos em sua tarefa tecnocrática que não perceberam que perseguir o Tea Party era um problema moral e político. Se foi esse o caso, a direção do IRS estaria sofrendo de uma estreiteza mental que transforma em abstração a realidade externa. Quando servidores públicos perdem o contato com o contexto humano do cargo é que o verdadeiro espetáculo de horror começa.

O caso do IRS foi uma intrusão extrema que dificulta o trabalho da imprensa. Quem vai telefonar para um jornalista para reportar um desmando sabendo que, em alguma data futura, o governo pode se sentir à vontade para rastrear os registros telefônicos e identificá-lo.

O escândalo decorre de um vírus: a “vazamentofobia”. Cada governo centraliza o poder mais fortemente do que o anterior e se torna mais paranoico sobre vazamentos do que o anterior. Por quê? Porque as pessoas que ingressam no governo têm a tendência de querer controlar não só outras pessoas, mas a informação também.

E o que devemos fazer? Numa cultura de liberdade irrestrita, será que os reguladores usarão essa oportunidade para escrever regras a fim de expandir seu alcance além do que hoje se imagina? As pessoas só podem ter fé num governo que se controle e há poucas evidências disso no momento.

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David Brooks é colunista do New York Times