Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Investigação na Bloomberg expõe falhas à privacidade

Em uma época em que o monitoramento dos hábitos na internet e nas redes sociais vem ampliando a conscientização do consumidor com relação à privacidade digital, a divulgação da Bloomberg LP de que os dados de certos usuários eram antes oferecidos aos seus jornalistas ameaçou alienar o fortemente regulado mundo das finanças.

O incidente também suscita a dúvida sobre se um negócio que tem como objetivo coletar e organizar dados financeiros complexos pode se misturar no longo prazo com uma cultura corporativa construída com base na transparência e às vezes em uma eficiência brutal.

Ao menos um grande cliente, o J.P. Morgan Chase & Co., está tendo um “sério diálogo” com a Bloomberg, disse uma pessoa próxima ao banco americano. Ontem, o banco informou que enviou uma carta exigindo formalmente que a Bloomberg forneça uma lista de todos os membros da empresa que investigaram suas atividades desde 2008. A Bloomberg tem dito que está em contato com várias centenas de clientes após a divulgação do caso na semana passada.

O banco central da China, que supervisiona a maior carteira de reservas cambiais do mundo, começou a analisar conflitos potenciais na confidencialidade de dados envolvendo a Bloomberg, de acordo com pessoas que têm ligação direta com o BC chinês.

Pagamento alto

A Bloomberg, uma empresa de capital fechado, virou alvo de investigações depois de ter revelado na semana passada que restringiu o acesso de seus jornalistas a informações dos usuários de seus terminais. Antes, os jornalistas podiam saber quando os usuários acessaram o terminal pela última vez, quando começaram a usá-lo e com que frequência eles acessavam recursos como notícias ou serviços de mensagens instantâneas. A Bloomberg informou que permitia que seus repórteres tivessem acesso a essas atividades porque dessa forma eles estavam mais preparados para participar de conversas com clientes.

A divulgação foi motivada por uma reclamação do Goldman Sachs Group, um grande cliente da Bloomberg. Mas resultou em grande repercussão na mídia e investigações de autoridades governamentais que vão do Federal Reserve, o banco central dos EUA, ao Banco do Japão, que também são clientes da Bloomberg.

Em uma mensagem publicada em um blog na segunda-feira, o editor-chefe da divisão de jornalismo da Bloomberg, Matthew Winkler, pediu desculpas pelo “nosso erro”, dizendo que “nossos repórteres não deveriam ter acesso a nenhuma informação considerada privada”. O diretor-presidente da Bloomberg, Daniel Doctoroff, também classificou a prática como “um erro”.

O episódio traz à tona o quanto os operadores do mercado dependem da Bloomberg como fonte de informação. A empresa começou oficialmente a operar em 1982 com o objetivo de centralizar informações de preços envolvendo o nebuloso e caótico mercado de títulos de dívida para os operadores de Wall Street. Seu foco em oferecer informações difíceis de serem obtidas se refletia em uma cultura empresarial que enfatiza a transparência.

Desde que a empresa foi criada, seu fundador, Michael Bloomberg, hoje prefeito da cidade de Nova York, não tinha um escritório particular e se sentava com outros funcionários. Ele deixou as operações do dia a dia há mais de dez anos, mas sua abordagem, enraizada nas mesas de operações do mercado financeiro americano, permanece no DNA da empresa.

“Ele pegou essa cultura e valores do mercado e trouxe para a Bloomberg”, disse Michael Driscoll, um operador de Wall Street e usuário dos terminais da Bloomberg de longa data que hoje é professor de Finanças na Universidade Adelphi.

A abordagem se estendeu para o negócio de notícias, que já existe há mais de 20 anos. Cada repórter da Bloomberg tem um terminal ou acesso à sua plataforma de dados. As agendas e anotações de entrevistas são normalmente oferecidas a outros repórteres – assim as pessoas podem ver quem está se encontrando com quem em viagens de negócios e no que alguns repórteres estão trabalhando. Quando um funcionário da Bloomberg entra em um prédio da empresa em qualquer lugar do mundo, uma notificação aparece no seu perfil, que pode ser vista no terminal dos demais funcionários.

Mas enquanto uma cultura de transparência pode encorajar a colaboração na redação de uma agência, ela também pode se contrapor ao negócio de venda de serviços para o mercado financeiro. Além dos terminais, que custam cerca de US$ 20 mil por ano, a Bloomberg cobra dos investidores por outros serviços, como armazenamento de dados de servidor. Empresas financeiras pagam à Bloomberg “uma fortuna considerável para arquivar seus antigos e-mails”, disse Hugh Culverhouse, um investidor e ex-promotor dos EUA.

Produto principal

Há um entendimento de que o domínio da Bloomberg, que tem um sistema que permite aos usuários trocar mensagens instantâneas e e-mails entre eles, é um tipo de comunidade fechada na qual se paga um preço alto para trocar ideias e dados financeiros relevantes. “A plataforma da Bloomberg é usada por pessoas que tomam grandes decisões financeiras e essas decisões são consideradas confidenciais”, disse Larry Tabb, fundador da empresa de pesquisa Tabb Group. Os executivos da Bloomberg têm enfatizado repetidamente a importância da segurança dos dados e do cumprimento de normas na esteira das revelações da semana passada.

Driscoll disse que memórias dolorosas da crise financeira e das investigações dos reguladores nos bancos criaram uma “paranoia de vigilância” em Wall Street, o que torna o setor extremamente sensível a questões relativas à segurança de informações.

Qualquer evidência de que a Bloomberg usou indevidamente informações de propriedade dos clientes poderia abalar seu papel como principal fonte de dados financeiros. Ainda assim, apesar das preocupações manifestadas pelos grandes bancos e agências do governo, ainda não está claro se o escrutínio recente vai ameaçar as vendas dos terminais da Bloomberg por causa da imagem competitiva do serviço.

“É o único produto na praça”, disse Driscoll.

O caso também destaca o quanto é desafiador para a Bloomberg, como um negócio que serve o setor financeiro, operar também um serviço de notícias. Tom Rosenstiel, diretor-executivo do Instituto de Imprensa Americano, disse que a era digital deu origem a empresas que obtêm mais dados sobre os seus clientes, levantando questões como: “O que você está fazendo com as informações que obteve a meu respeito?” Ele disse que “confiança” é o principal produto de uma empresa de notícias. “Se você é transparente com relação a quem você é, você tem que ser transparente para com os leitores sobre o que está fazendo com as informações deles.” (Colaboraram Dan Fitzpatrick e Jason Zweig)

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William Launder e Christopher S. Stewart, do Wall Street Journal