Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Censurar fanatismo é estúpido

Em reação à atrocidade cometida contra um soldado britânico, morto na semana passada por dois extremistas islâmicos armados com cutelos, a secretária britânica do Interior, Theresa May, propôs que rádios e TVs parem de dar espaço em sua programação para pessoas que defendam “opiniões revoltantes”. May sugeriu também a adoção de mecanismos de censura prévia na internet.

A Grã-Bretanha, como outros países europeus, está diante de uma ameaça real. Acaba de ser detido na França outro muçulmano radical que confessou ter atacado um soldado francês a facadas. Mas não será seguindo as sugestões de May que conseguiremos reduzir a ameaça representada por esses radicais. A proposta da secretária carece de senso prático, além de ser intolerante, míope e contraproducente. Sua adoção acarretaria a redução de liberdades essenciais sem aumentar a segurança. O melhor a fazer é relegá-la à lata de lixo da histeria.

Incitar a violência é crime em toda e qualquer jurisdição democrática, incluindo as que compõem a Grã-Bretanha. Que atos, exatamente, podem ser considerados uma incitação à violência é algo que, na atual era da internet, nossos legisladores e juízes precisam reavaliar constantemente. Mas adotar, a mando de uma secretária do Interior, a censura prévia generalizada a “opiniões revoltantes” só servirá para nos pôr em maus lençóis.

Deixar nossa liberdade de expressão aos cuidados da Secretaria do Interior é como pedir que um operador de britadeira se encarregue de restaurar um dente careado. Trata-se do órgão governamental que, sob uma administração trabalhista, elaborou uma lista enorme de pessoas que deveriam ser proibidas de entrar no país por “instigarem opiniões extremistas”. Nessa lista estava o nome do radialista americano Michael Savage. Como se o país de John Milton e John Stuart Mill não fosse capaz de desmascarar um locutor sensacionalista só com a força de sua inteligência e o vigor de seu idioma!

A secretária do Interior vai contra-argumentar, dizendo que a ideia é delegar as atribuições censórias não à sua própria estrutura policial, mas à Ofcom, a agência reguladora dos meios de comunicação britânicos. A Ofcom já detém poderes consideráveis para punir veículos que desrespeitem seus criteriosos padrões editoriais, e a agência tem feito uso desses poderes de maneira escrupulosa, com independência e propriedade.

Investigação jornalística

Agora, em nome da segurança pública e da luta contra o terrorismo, May quer que inspetores estatais submetam conteúdos editoriais à censura prévia? Onde vimos isso antes? No Egito. Na China. Na Rússia. Bem-vindos ao clube. E a proposta, diga-se, vem de um Partido Conservador que tem tanto medo dos barões da imprensa que não faz nada para impedi-los de continuar invadindo as vidas privadas de pessoas comuns e inocentes com o objetivo único de atender a sua própria ganância – contribuindo, mais recentemente, para o suicídio de um professor transexual que foi exposto ao que um investigador chamou de “assassinato de reputação”. Um partido que ainda não se atreve sequer a estabelecer a estrutura mínima de regulamentação da imprensa escrita que há tempos se faz obviamente necessária.

A proposta de May não tem como ser posta em prática. Se não deu certo nos anos 80, quando Margaret Thatcher tentou impedir os porta-vozes do Sinn Fein de respirar o “oxigênio dos microfones e câmaras de TV”, que dirá agora, quando, para aplacar o desejo de aparecer, provocadores islamistas podem simplesmente sair por aí postando vídeos no YouTube.

Pois, então, dirá essa nossa impulsiva secretária do Interior, é preciso considerar a hipótese de incluir o Google e o YouTube, além das rádios e das TVs, no esforço de impedir que esse tipo de material seja veiculado. Ora, muitas das ações do Google – em matéria tributária, na área concorrencial e em questões de privacidade – são questionáveis, mas impor à empresa a obrigação editorial de examinar antecipadamente tudo o que é postado no YouTube significaria destruir algo incrivelmente valioso: a possibilidade, sem precedentes, que as pessoas agora têm de falar umas às outras sem intermediários, através de oceanos e continentes.

Além do mais, a censura seria contraproducente. Ex-secretário do Interior do governo Tony Blair, o trabalhista Jack Straw diz que a interdição parcial imposta aos porta-vozes do Sinn Fein (cujos pronunciamentos eram ridiculamente transmitidos por atores) foi “um grande instrumento de recrutamento para eles”. E assim funcionaria para os extremistas virulentos de hoje em dia. Se eles gritam tanto, é porque querem que alguém os amordace. Assim poderão posar de mártires – do Ocidente islamofóbico, da liberdade de expressão.

Não, a maneira de lutar contra os que pregam o extremismo violento não é impondo o silêncio, mas encarando-os, enfrentando-os em todos os meios de comunicação. Decisões editoriais devem ser feitas – por editores, não por secretários do Interior. A BBC e o Channel 4 cometem um erro ao dar espaço a extremistas como Anjem Choudary, que sabem usar a mídia, pondo-os na tela de uma maneira que lhes permite passar a impressão de que são participantes legítimos de um civilizado debate nacional.

Creio, porém, que seria perfeitamente adequado que ele fosse filmado e entrevistado no contexto de uma reportagem investigativa que tivesse por objetivo descobrir como um rapaz nascido na Grã-Bretanha pôde ser convencido de que deveria retalhar um soldado britânico em nome de Alá.

Ódio à mistificação

O Institute for Strategic Dialogue, com sede em Londres, iniciou um trabalho muito interessante sobre como é possível combater narrativas extremistas online com outras narrativas e ferramentas online.

Por fim, seguindo o exemplo de Edmund Burke, gostaria de acrescentar uma palavrinha em favor do ódio. Tentar criminalizar uma emoção em sua totalidade é tão tolo e fútil quanto querer derrotar alguém numa guerra (a “guerra ao terror”.) Além do mais, como esse grande filósofo conservador observou, um pouco de ódio não faz mal a ninguém.

“Jamais amarão o que devem amar aqueles que não odeiam o que devem odiar”, escreveu Burke. Odeio a violenta ideologia islamista que envenenou as ideias daquele rapaz. Odeio o fascismo. Odeio todo tipo de opressão. Odeio as mistificações. Odeio os pensamentos negligentes e descuidados. E, em nome de todos esses ódios saudáveis, advirto contra as superficiais, míopes e contraproducentes reações impulsivas de secretárias do Interior que acham que “é preciso fazer alguma coisa” e, sob a justificativa de defendê-la, acabam solapando a nossa liberdade.

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Timothy Garton Ash é professor de estudos europeus da Universidade de Oxford